“O amor e o desejo são
as asas do espírito das grandes façanhas”. Johann Goethe
É possível que grande parte do
público dito crítico tenha perdido seu humor e começado a acreditar que os
pensamentos das personagens sejam do cineasta? E que este perdeu seu viés
satírico? Porque, não há dúvida que Paolo
Sorrentino usa uma legítima ofensiva ao se apropriar de um universo tanto
quanto onírico e único para dialogar com a história do cinema e ainda assim
oferecer drama onde há um barroquismo inconfundível.
E qual vácuo deveria o filme
sugerir? Se assumirmos que o cinema tem como obrigação criar manifestações que
sugerem brechas no mundo dito real não estaria reduzindo suas potencialidades?
Sim, quando algum diretor entra em campo, ele vai combater figuras como Godard,
mas assumir que suas pretensões sejam rigorosamente a mesma que outros mestres
me parece reflexo de nosso egocentrismo. A violência do acumulo de imagens
significativas sugerem um vazio. Se ele deixou seu imaginário deslocado, e você
se indignou ao perceber a falta de possibilidades enquanto ocupação da tela, a
sátira cumpriu seu papel. Essa quebra e alternância entre fotografias típicas
de comerciais de TV com a tão usada (e ainda estranhamente aclamada) estratégia
do “fora de quadro”, mostra um diretor extremamente fora de sua zono de
conforto e expressa a morte das virtualidades em uma tradição que, segundo os
críticos contemporâneos, se encerra em si.
Ou alguém ainda acredita que Sorrentino não tem todos discursos
óbvios dominados e sabe do clichê que eles representam, utilizando assim, como
uma autêntica paródia, métodos cênicos que estão há décadas estimulando um
simulacro de cinema de arte?
Não seria outro mero jogo de
palavras e colaborar com o que afirmam ser o “pior” do filme, falar sobre o
ranzinza jornalista que já escreveu uma obra-prima, ou sobre as conversas que
circulam sobre artes, política- regadas à cocaína e uísque? Bem, sempre achei
quem defende uma arte livre de panfletagem (aliás, essa ideia é um pouco
calcada no “não quero me posicionar”, apesar de tudo, mas sim, panfletagem às
vezes beira a infantilidade e redução de propostas), não queria estar envolto
em simples discursos do que se convencionou chamar “politicamente correto”.
Enfim, porque enxergar no horizonte de Jep,
o último estágio de misantropia? Todos, em algum momento, passamos por essa
fase, o final até sugere uma nostalgia como forma de valorização do presente.
Livre de vontade, caros críticos, um ser humano fica parecido com o ex-escritor,
e é justamente por isso existir e pessoas refletirem essa profunda negação da
vida, que isso tem de ser representado! Oras, para existir confronto, há primeiramente
a negação do instituído, não é uma fórmula mágica. Superar e deixar o maldito
para trás é difícil, transcender os valores é, em primeiro estágio, negá-los.
Há maneira de ironizar ambientes
abarrotados sem representá-los, de forma alguma? Pois no meio desse conjunto de
significados: plásticas, desfiles, festas, strip-tease, literatura- existem sim
almas que vagam na escuridão da nostalgia. Por isso, o filme reflete muito de
nós, mais do que se pode supor- os truques, o barroquismo exaltado- eu consigo
me ver ali, impreterivelmente, perdido numa multidão que nem sei do que é
formada.
As pessoas que rondam pelo filme
parecem não ter obrigações morais. O nosso lugar nesse espetáculo é justamente
a posição que Jep ocupa na sequência
final- contemplar o festival de babaquices, tanto físicas como intelectuais, há
aqui uma metadiscurso sobre a impossibilidade do niilismo, ou sua não
serventia. O homem está ligado às suas representações, indubitavelmente, mas o
que fazer quando a própria ligação, em sentido ontológico, é inexistente? As
garotas volúveis, os grandes espetáculos, a pergunta também é dirigida em
primeira instância, no nível mais simples imaginado, como escapar da rotina
misantrópica? Os críticos reclamam por um “lugar no filme”, mas esse jogo de
excessos- esse amontoado de estilos e profusão eclética- discute justamente
nosso papel (assim como do protagonista) em um mundo instituído, o conflito
existe e é justamente do homem com o contemporâneo (que já carrega em si o
discurso destrutivo, desde Nietzsche sabemos disso); a dedicação está morta, a
disciplina inexiste.
Novamente o problema da
verossimilhança, a necessidade de um duplo que está infiltrado em uma classe
cujas idiossincrasias sugerem uma singularidade morta, reprodução do grotesco e
uma erudição babaca, parecido com disputas em academias de ginástica... O que
está em xeque aqui? Os limites ou o que fazer a partir da constatação do
controle do discurso “está tudo morto”? São perguntas importantes. Mas talvez
queiramos achar simbolismos em tudo, nos talheres... Representar a
globalização... Sorrentino demonstra
o mundo insignificante que estamos, onde as próprias imagens dizem tanto quanto
nada.
A técnica pela técnica, ou
exagero pelo exagero, o saber tudo, são fundamentos que Sorrentino satiriza, debocha. Não há arquitetura conceitual e ele
quer explorar essa liberdade ao extremo. A beleza estonteante, a música
clássica, o vazio sugerido por toda essa pompa... Há maneira mais fácil de
debochar um cineasta usando adjetivos modernos? O truque de Paolo foi pegar
essa garotada, os críticos que exigem participar do filme em múltiplas subjetividades,
e ainda assim instrumentalizar desejos dessas pessoas para exibir o quão
infantil suas atitudes são. Experimentalismos usados satiricamente para quem
exige isso como única forma de arte. Risada na certa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário