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quinta-feira, 10 de abril de 2014

A Grande Beleza (La Grande Bellezza) e a comédia em Paolo Sorrentino (Itália, 2013)




O amor e o desejo são as asas do espírito das grandes façanhas”. Johann Goethe

É possível que grande parte do público dito crítico tenha perdido seu humor e começado a acreditar que os pensamentos das personagens sejam do cineasta? E que este perdeu seu viés satírico? Porque, não há dúvida que Paolo Sorrentino usa uma legítima ofensiva ao se apropriar de um universo tanto quanto onírico e único para dialogar com a história do cinema e ainda assim oferecer drama onde há um barroquismo inconfundível.

E qual vácuo deveria o filme sugerir? Se assumirmos que o cinema tem como obrigação criar manifestações que sugerem brechas no mundo dito real não estaria reduzindo suas potencialidades? Sim, quando algum diretor entra em campo, ele vai combater figuras como Godard, mas assumir que suas pretensões sejam rigorosamente a mesma que outros mestres me parece reflexo de nosso egocentrismo. A violência do acumulo de imagens significativas sugerem um vazio. Se ele deixou seu imaginário deslocado, e você se indignou ao perceber a falta de possibilidades enquanto ocupação da tela, a sátira cumpriu seu papel. Essa quebra e alternância entre fotografias típicas de comerciais de TV com a tão usada (e ainda estranhamente aclamada) estratégia do “fora de quadro”, mostra um diretor extremamente fora de sua zono de conforto e expressa a morte das virtualidades em uma tradição que, segundo os críticos contemporâneos, se encerra em si.



Ou alguém ainda acredita que Sorrentino não tem todos discursos óbvios dominados e sabe do clichê que eles representam, utilizando assim, como uma autêntica paródia, métodos cênicos que estão há décadas estimulando um simulacro de cinema de arte?

Não seria outro mero jogo de palavras e colaborar com o que afirmam ser o “pior” do filme, falar sobre o ranzinza jornalista que já escreveu uma obra-prima, ou sobre as conversas que circulam sobre artes, política- regadas à cocaína e uísque? Bem, sempre achei quem defende uma arte livre de panfletagem (aliás, essa ideia é um pouco calcada no “não quero me posicionar”, apesar de tudo, mas sim, panfletagem às vezes beira a infantilidade e redução de propostas), não queria estar envolto em simples discursos do que se convencionou chamar “politicamente correto”. Enfim, porque enxergar no horizonte de Jep, o último estágio de misantropia? Todos, em algum momento, passamos por essa fase, o final até sugere uma nostalgia como forma de valorização do presente. Livre de vontade, caros críticos, um ser humano fica parecido com o ex-escritor, e é justamente por isso existir e pessoas refletirem essa profunda negação da vida, que isso tem de ser representado! Oras, para existir confronto, há primeiramente a negação do instituído, não é uma fórmula mágica. Superar e deixar o maldito para trás é difícil, transcender os valores é, em primeiro estágio, negá-los.

 
Há maneira de ironizar ambientes abarrotados sem representá-los, de forma alguma? Pois no meio desse conjunto de significados: plásticas, desfiles, festas, strip-tease, literatura- existem sim almas que vagam na escuridão da nostalgia. Por isso, o filme reflete muito de nós, mais do que se pode supor- os truques, o barroquismo exaltado- eu consigo me ver ali, impreterivelmente, perdido numa multidão que nem sei do que é formada.

As pessoas que rondam pelo filme parecem não ter obrigações morais. O nosso lugar nesse espetáculo é justamente a posição que Jep ocupa na sequência final- contemplar o festival de babaquices, tanto físicas como intelectuais, há aqui uma metadiscurso sobre a impossibilidade do niilismo, ou sua não serventia. O homem está ligado às suas representações, indubitavelmente, mas o que fazer quando a própria ligação, em sentido ontológico, é inexistente? As garotas volúveis, os grandes espetáculos, a pergunta também é dirigida em primeira instância, no nível mais simples imaginado, como escapar da rotina misantrópica? Os críticos reclamam por um “lugar no filme”, mas esse jogo de excessos- esse amontoado de estilos e profusão eclética- discute justamente nosso papel (assim como do protagonista) em um mundo instituído, o conflito existe e é justamente do homem com o contemporâneo (que já carrega em si o discurso destrutivo, desde Nietzsche sabemos disso); a dedicação está morta, a disciplina inexiste.



Novamente o problema da verossimilhança, a necessidade de um duplo que está infiltrado em uma classe cujas idiossincrasias sugerem uma singularidade morta, reprodução do grotesco e uma erudição babaca, parecido com disputas em academias de ginástica... O que está em xeque aqui? Os limites ou o que fazer a partir da constatação do controle do discurso “está tudo morto”? São perguntas importantes. Mas talvez queiramos achar simbolismos em tudo, nos talheres... Representar a globalização... Sorrentino demonstra o mundo insignificante que estamos, onde as próprias imagens dizem tanto quanto nada.

A técnica pela técnica, ou exagero pelo exagero, o saber tudo, são fundamentos que Sorrentino satiriza, debocha. Não há arquitetura conceitual e ele quer explorar essa liberdade ao extremo. A beleza estonteante, a música clássica, o vazio sugerido por toda essa pompa... Há maneira mais fácil de debochar um cineasta usando adjetivos modernos? O truque de Paolo foi pegar essa garotada, os críticos que exigem participar do filme em múltiplas subjetividades, e ainda assim instrumentalizar desejos dessas pessoas para exibir o quão infantil suas atitudes são. Experimentalismos usados satiricamente para quem exige isso como única forma de arte. Risada na certa.

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