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quarta-feira, 30 de abril de 2014

Entrevista com Cadu Tenório


Aparentemente incansável, assinando em diversos projetos como Ceticências, Gruta, Santa Rosa’s Family Tree, Sobre a Máquina e VICTIM!, em 2014 Cadu Tenório decidiu marcar seu próprio nome em uma obra. Certamente um artista inquieto, cuja música exige muita reflexão e aponta diversas fragmentações em nosso próprio modo de apreensão artística, ele foi muito gentil e aceitou responder algumas perguntas:

*Eu me confundi nas datas de lançamento, Branco (do Ceticências) foi lançado antes de Cassettes.
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Como o Rio de Janeiro influência sua música, a maneira que você compõe, cria?

O Rio de Janeiro influencia meu trabalho da mesma forma que acho que qualquer grande metrópole influenciaria. O dia a dia, o trânsito, toda essa paisagem sonora caótica que além de influenciar serve também como matéria prima pra grande parte dos meus trabalhos por meio de gravações de campo.

Quanto você mudou como artista e pessoa desde que gravou ‘Decompor’ para ‘Branco’ ?

No caso depois do “Branco” já tivemos o “Cassettes” e hoje o “1987/1990”. 
Esse ano faz exatos cinco anos que comecei a gravar o “Decompor”. Eu mudei muito, o mundo ao meu redor mudou muito. Ainda estava numa espécie de "limbo-do-fim-da-adolescência" quando comecei a gravar as demos para o “Decompor” isso talvez mantenha todo o valor que ele tem pra mim. 
Não sei você, mas eu consigo ver similaridades, pequenos links do “Decompor” com os trabalhos mais atuais. Pra mim soa como um desenvolvimento natural. 
Hoje com certeza o leque de influências é muito maior, tanto musicais quanto conceituais. Aprendi muito nesse período, aprendi a organizar minhas idéias e a expressá-las melhor. Considero meu gosto pra timbres mais apurado e condizente com minhas intenções. Acho que também melhorei muito como músico e como produtor logicamente. Os trabalhos têm apresentações bem superiores em termos de som, gravação etc.
Apesar de tudo quando ouço o Decompor ele ainda me dá frio na barriga, ainda fico muito orgulhoso que ele consiga carregar o peso da época que foi composto. É um disco que tenho orgulho de ter feito, gosto muito dele. Foi difícil demais de fazer, não sabíamos direito como fazer um disco de forma totalmente independente naquela época, foi a primeira vez que fizemos. Tudo. Gravamos tudo, mixamos e masterizamos. Tudo isso em madrugadas pós-trabalho. 
Parando pra pensar, assusta um pouco perceber que já se passou tanto tempo, alguns podem dizer que não é muito tempo, cinco anos, mas lembro de tudo que aconteceu em torno desse trabalho, na minha vida, e parece mesmo muito tempo, sinto uma longa distância. Talvez pelo fato desse meu processo criativo e de pesquisa ser diário. E por me encontrar em uma posição totalmente diferente,  morando sozinho. 

Decompor, primeiro lançamento do Sobre a Máquina


Ao ler críticas online em relação ao drone/noise/etc, são citados muitos ensaios acadêmicos, conceitos, isso afasta o suposto ouvinte “médio”? Como artista, você acha que a crítica ainda é relevante? Você lê críticas?

Pode ser que afaste, sim. Mas acho uma bobagem das pessoas deixar que afaste. 
Esse tipo de leitura me ajudou muito a saber o que eu quero e a complementar minhas idéias. Acho que uma crítica ou resenha pode sim ser relevante. Além de despertar interesse em um suposto novo ouvinte ela pode enriquecer bastante a audição se tiver o que falar sobre o disco que vá além de limitações como “bom” e “ruim”. 
As melhores resenhas pra mim são as que consigo perceber que houve um trabalho de pesquisa. Às vezes tenho a impressão de que pra boa parte das pessoas que se dispõem a escrever sobre música falte bagagem cultural - ler mais sobre música e talvez até ouvir mais, ouvir melhor, não apenas dentro do ônibus em fones duvidosos - e uma visão menos unilateral também que se baseie menos no próprio gosto/ego. Mas sim, eu leio críticas sempre. Tem gente que escreve muito bem aqui no Brasil.

Como foram as sessões de gravação de ‘Branco’? O que mudou na dinâmica entre a dupla no tocante ao desenvolvimento mais rápido das faixas?

Foram sessões rápidas, são quase encontros românticos, rs. Marco com o Sávio um dia de folga que possamos nos encontrar, comemos, conversamos e no fim ligamos os equipamentos na sala de estúdio para tocar. 
Assim como no “Lua”, o “Branco” foi gravado ao vivo, mas com a intenção de mexermos mais na pós-produção. Coisa que combinamos que não iria acontecer no “Lua” que também contou com uma extensa pré-produção. Selecionamos previamente todos os timbres, conversamos sobre as intenções, mas gravamos ao vivo com o compromisso de não fazer nenhum overdub e não mexer em quase nada na pós.
No “Branco” foram gravados overdubs. Nele existiu a intenção de explorar mais as reverberações, os “vazios”. Acho que essa questão das durações ficarem menores não foi intencional. Saiu dessa forma.

Para especificamente seu som e as variáveis em todos seus projetos, você percebeu algum aumento em relação ao público? Ou a tendência do noise, drone, etc, é permanecer em um público mais filtrado?

Parece que o público aumenta a cada dia que passa. Os shows estão cheios - quando não chove. Gente nova interessada. As coisas parecem estar acontecendo, apesar de em baixa velocidade. Mas acho que isso é bom, dessa forma, devagar e sempre, parece que cresce sólido, sabe?
Do meu ponto de vista, que com certeza difere do de muitos conhecidos meus, o espaço parece ter crescido um pouco pra música experimental nos últimos anos.

Como ocorreu a seleção de quem iria tocar no II Festival de Ruído?

J.-P. Caron e eu começamos a trocar idéia de nomes que gostaríamos de ter na segunda edição que, obviamente, não estiveram na primeira. E assim fomos montando o line-up. Nossa referência é o extinto Plano B/Lapa, então queríamos chamar mais gente que fez shows memoráveis por lá. Como falhamos em trazer dois projetos quase que em cima da hora - projetos esses que vamos tentar de novo na terceira edição - resolvemos colocar nós mesmos pra tocar de novo pra completar.

A literatura influencia sua música? Quais são seus autores favoritos?
Sim, não só a literatura, mas o cinema e a as artes plásticas também, muito. Com certeza vou me arrepender de não ter falado mais nomes, mas vamos lá, pra ser rápido, citarei quatro autores que me instigam muito,  Kafka,  Jorge Luis Borges, William Gibson e Lovecraft.

Você é muito produtivo. Tantos lançamentos. Às vezes, você tem bloqueio criativo?

Sim, às vezes. Trabalhar em projetos com outras pessoas ajuda nessa questão, é como respirar outros ares. Não estar sempre sozinho.
Costumo trabalhar com pessoas que também me inspiram. É o caso do Sobre a Máquina com Alex e Emygdio e o Ceticências com o Sávio de Queiroz e em minhas outras colaborações. Quase sempre estou trabalhando ou colaborando com pessoas que me inspiram de alguma forma.

Quais músicos são seus remédios?

Remédios? Hm, bem. Isso varia um pouco dependendo da época, do clima, rs.
Desde 2012 tenho ouvido muito um grupo britânico chamado Aufgehoben, é incrível o que eles fazem, é forte, extremo.
Aaron Dilloway é um cara que ando sempre voltando a ouvir, vejo uma sensibilidade grande nos ruídos que ele produz.
Ultimamente tenho retornado muito aos discos da Okkyung Lee, ela tem trabalhos muito bonitos.
Também ando re-escutando trabalhos do Arto Lindsay, em principal o “Noon Chill” que nesses tempos tenho ouvido bastante.
O Otomo Yoshihide voltou com tudo nos falantes aqui também, os trabalhos dele com turntable são incríveis.
Ah, Masonna que sempre me impressionou, além de ouvir trabalhos em disco, estou sempre assistindo performances dele em vídeo,  é sempre impactante, quero muito ter a oportunidade de vê-lo ao vivo um dia.



Você ainda ouve os discos que ouvia quando começou a gostar de música?

De tempos em tempos acabamos sempre voltando a algo não é? Mesmo sem querer acabo voltando a algo que não faz mais parte do meu dia a dia. 
Tem uns discos que são recorrentes, ainda os considero incríveis, posso citar o “Slip It In” do Black Flag e o Downward Spiral do Nine Inch Nails e o In Utero do Nirvana ou o Spiderland do Slint como exemplos. 
Outras coisas já não tem o mesmo impacto, não consigo ouvir um disco inteiro, mas guardam muito significado, trazem todo um clima e uma época junto ao som tipo Duran Duran, rs. Põe pra tocar Save a Prayer que talvez você entenda (ou não haha), tocava muito em casa quando eu era criança.

Há uma influência do que se convencionou chamar de IDM na sua música. Quando você descobriu a manipulação com sons eletrônicos e pensou “isso pode realmente ser muito bom”?

Curioso que IDM é um termo que considero meio bobo, mas me ajudou a conhecer alguns dos artistas que mais respeito desde bem novo. 
Descobri a manipulação com sons eletrônicos quando ganhei meu primeiro computador. Se bem me lembro, um velho amigo me mandou alguns freewares péssimos onde eu poderia, com um microfone daqueles bem baratos ligado a placa onboard do pc, gravar sons e processa-los com os efeitos horríveis que na época pareciam funcionar graças ao meu entendimento limitado. 
Fui me interessando mais, ouvindo mais, lendo, estudando mesmo, baixando outras coisas, até que fui conseguindo ter acesso a sintetizadores e outros instrumentos além do meu violão velho com buracos tapados por durepox - ainda tenho ele, tem um som bem peculiar, rs -.  E, claro, devagarzinho juntando as migalhas fui conseguindo montar a pequena estrutura que tenho para gravar hoje, um bom computador, uma boa placa de som e todos os meus instrumentos e apetrechos que me possibilitaram resultados melhores.
Foi um processo legal que começou no inicio da adolescência, de descobrimento/auto-conhecimento mesmo. 


É engraçado lembrar disso tudo.

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Para ouvir seus projetos: