“O tempo passado e o
tempo futuro
O que poderia ter sido
e o que foi
Apontam para um só
fim, sempre presente.”
- T.S Elliot
I
Os riffs começam pesados, os berros são pesados, as quebras no
andamento são pesadas e depois tudo volta mais doloroso possível. A voz da Meghan registra uma ânsia por libertação
de todas as formas sociopoliticamente opressoras- na verdade, toda a textura
instrumental se dedica a isso. Os atritos causados pela necessidade de
velocidade são alavancados por poderosas batidas na bateria. Um cenário de
caos. Sobra construir algo em cima dessa desolação- pra isso, as letras.
Eu me lembro do final de agosto
de 2010, quando ouvi esse disco, pensei “é o melhor álbum de hardcore esse ano”, sim, o Kvelertak tinha lançado, uns dois meses
antes, um baita álbum. Mas esse disco do Punch
é caloroso, intenso, apaixonante- “mas só isso qualifica para ser um bom
álbum?”, alguém pode pensar. Mas aqui, tudo converge em um organismo explosivo,
um petardo por música. Meghan é como
uma britadeira no vocal, formando críticas em todas as esferas (inclusive
pessoal). A alteração de andamentos do instrumental reflete a capacidade de
banda como músicos, gerando energia mais do que suficiente para ficar pulando e
socando (?) o ar.
Os membros do Punch participam de alguns outros
projetos bem conhecidos até, sendo o Loma
Prieta o mais entre eles; é inevitável não comprar, mas os buracos que
ficam na sonoridade do Loma são
preenchidos pelo Punch. Os alicerces das músicas inventam uma
ofensiva frenética capaz de horrorizar ouvidos não acostumados. As quebradas
não soam “fora do lugar” ou “excessivas”, como na maioria das bandas do estilo.
É difícil não sentir que todas as estruturas de calma e paz não são abaladas
por guitarras, berros e batidas que ressoam ira e apocalipse. Essa inteligência
em não ser apenas um monumento à raiva, mas sim letras que refletem e instiga o
ouvinte, assim como na esfera sonora e distribuição de riffs, a pensar- mais uma vez, outro ponto que eles se diferem da
maioria das bandas de hardcore
contemporâneo.
A coesão nos atrai a ouvir o Punch diversas vezes. É estimulante escutar
uma banda que não força uma completa e irreversível perda da função cerebral. A
aflição entregada pelos vocais se assemelha muito mais à cena screamo do que propriamente hardcore- são questões sendo formuladas,
nunca respostas concretas ou decisões pré-estabelecidas. Seus ideais não vão
ser apregoados por menos que vinte minutos. Vão questionar suas raízes
centradas em porque gastar dinheiro que não tem com o que não precisa, ou como
se sente a respeito da luta das mulheres por igualdade. Sim, eu sei, são tópicos
relativamente batidos dentro do hardcore,
mas é essa coesão citada acima e respeito pela inteligência do ouvinte que o Punch não entrega respostas prontas, ao
contrário- ataca as convicções que enraizaram em nosso leito, de maneira a
ressoar de tempos em tempos em nosso intimo.
Punch- Push Pull [2010]
|
II
O “soco” do Punch, como se fosse toda a intensidade sonora concentrada, é
rápido. Sério, esqueçam qualquer sinal de sutileza que vocês possam ter
pensado, essa espécie de thrash hardcore
não deseja isso, odeia isso, e vive bem sem isso.
A banda da Área da baía de São
Francisco esburaca seu espaço na cena há muito tempo, sendo que a cada
lançamento perpetua (cada vez mais) sua imagem imponente: uma banda com propostas
estruturais interessantes, uma vocalista tentando se libertar a cada berro e riff quebrado.
E de uma maneira um tanto quanto
“abrupta”, a Deathwish decidiu apoiar
a banda em um novo lançamento Não há nenhuma grande mudança na sonoridade da
banda, mais eles estão ainda mais firmes nesse terreno sólido que decidiram
construir- haviam lançado um disco cheio no ano antecessor, e talvez isso
justifique a pouca mudança estrutural.
O EP é estruturado pela raiva de longa
data que sempre acaba formatando a tensão da banda, assim, a Deathwish apoiar esses monstros
emergentes do “faça você mesmo” faz todo sentido. Em T.S Elliot, as tensões
espirituais/filosóficas são evocadas e pensadas na forma de estruturas poéticas
tradicionais - o universo do Punch
resvala em questões que cruzam esses dois eixos, a rivalidade gritante entre
“ser” e “estar”, criando contrapontos que nos deixam mais atentos na reflexão
entre toda a barulheira. As faixas são curtas, poucas tem mais que dois minutos
e meio. Em entrevista para a Ideal Shop(http://blog.idealshop.com.br/2014/05/entrevista-com-a-banda-punk-punch/),
Keith disse que a banda é mais influenciada por convenções de gênero e
tradições temáticas. A tensão está quando a banda localiza justamente as
disparidades e contradições que abrigamos quando percebemos nossa posição no
mundo.
Em Nothing Lasts, o progressivo
aprimoramento técnico espreita para a relevância que a dedicação da banda
aponta. Músicas como Time Apart indicam a construção de uma despedida, quando
algum relacionamento está seco e esquecemos até mesmo a imagem do outro. O mote
do disco é a comunicação direta, utilizando muitos “you”, como um diamante bruto,
tanto em sonoridade quanto letras, as expressões foram reduzidas para apenas as
estritamente necessárias. A agressividade proveniente, em que críticas “totais”
caem no discurso direto livre, não é um apontar incessantes de dedos, mas
registros de frustração, formando sínteses que parecem não poder ser expressas
a não ser pelos berros sufocados, descendo em camadas tão pesadas e rígidas que
não acreditaríamos tais proporções de sentimentos raivosos tão bem encaixados-
não é a reinvenção da roda, obviamente, mas como um dos contos mais pesados de
Hemingway, este mais legal que rodas. Essa tal raiva representa nossa perda de
convicções.
Punch- Nothing Lasts 7" [2011] |
O posicionamento panfletário não
existe aqui. Cada faixa relaciona a pressão que os indivíduos são impostos
pelas convenções institucionalizadas citadas acima, a banda aposta em colocar o
ser no cerne da questão porque daí a perplexidade brota em seu sentido vulgar,
perguntas como “por que ainda ajo dessa maneira?” ou “qual sentido faz seguir
esses padrões?”, adquirem legitimidade. O que está presente é o questionamento
da imagem que criamos de nós. As letras facilitam essa ideia de compreensão de
nosso papel nas engrenagens cotidianas, escondidas. Operação típica dessas
novas bandas que claramente sabem do discurso acadêmico sobre tais temas, mas
exigem problematizá-los da forma mais pesada (e direta) possível.
Mesmo com essa exposição, você
pode perguntar “mas alguém realmente liga?”. Aparentemente, sim- por isso
canções continuam sendo desenvolvidas, talvez repetitivamente, sobre temas
batidos. Mas discutir os problemas ainda é pertinente uma vez que certos
escapismos continuam sendo oferecidos como forma de se afastar da pele morta
que somos, esquecemos que o “ser” também é abrangido pela totalidade dos
discursos que o repelem. Mas o que fica claro, é que não estamos ouvindo
simples agressão gratuita, e que a raiva não é só uma arma. Aqui, as relações
que nos enclausuraram a certos papéis no mundo que são visadas.
A relação entre a raiva e uma
possível construção de seres humanos mais empáticos é muito mais emblemática,
tênue e paralela do que simples discursos de autoajuda; é a localização de
implicações éticas que apontam para o cerne da questão- como tarefa mais
difícil ainda do que dizem certas pessoas que “não tomam partido” ou que se
eximem de posicionamentos para ter o dedo em riste à todo instante- é um
questionamento muito válido da facilidade dos não discursos, frases clichês,
travestidos na passividade de “não se importar” ou estar “pouco se fodendo”.
Como citado anteriormente, um dos
principais motores criativos da banda é a imposição de gênero. Os gritos, as
guitarras “desorientadas” justificam musicalmente a necessidade de simbolizar
mais do que o “discurso”. As associações entre os elementos, a base estrutural
que rege os comportamentos não pode ser atacada simplesmente em sua totalidade,
por isso as letras curtas, as ideias fragmentadas. O que se fazer quando todas
as referências são complexos culturais?
Ouvindo Nothing Lasts e Punch, a
pergunta: ainda há a necessidade de referências e de cultura?
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