Filmes dramáticos sobre pessoas
de meia idade que não se encontram completamente felizes tendem a desequilibrar
para algum lado. Talvez a segurança que um diretor deve ter para saber qual
abordagem tomar, é derivada ou da mensagem moral ou da expressão estética que o
corpo do filme transmite. Certo é que existe um nicho de encontro a essa
temática, pessoas que evitam o gênero “comédia” quando leem em uma sinopse.
Então, o que um filme assim pode trazer de novo? O que devemos admirar aqui é a
própria fuga de lugares comuns para uma alçada nova, mesmo que tímida. Uma
acurada percepção sobre certo de tipo de classe social que “envelhece sem
sonhos”. A colocação das câmeras, ou quando acompanhamos de longe o início das
ações, transmite a sensação de distância.
Sendo sua segunda obra como
diretor, Philippe Claudel interage apenas um herói pouco mais velho que sua
idade. O filme conta a história de Paul, um neurocirurgião de sessenta anos
casado com Lucie- um dia, buquês de
rosa começam a ser entregues de forma anônima na casa deles no mesmo momento em
que Lou, uma jovem de 20 anos, não para de cruzar o caminho de Paul. Ai entra o
jogo de identidade, de conhecer o próximo- uma essência caótica com a mesma
execução discreta de um Teorema de Pasolini, exibindo a veia exposta, quando
observamos nosso íntimo encontrando apenas confusão.
Interessante notar como um casal
que convive há tanto tempo como Paul e Lucie
construíram uma espécie de química cômoda, onde as palavras são silenciadas
pelo mero pensamento de ter que se esforçar e discutir. Ao poucos, o clima de
tensão e desconfiança vai se gerando tanto em Paul- relacionado a um suposto
“perseguidor/admirador secreto” - como em Lucie,
em relação à fidelidade do marido. Não basta uma desconfiança dupla, ainda há o
caso do melhor amigo de Paul ser apaixonado por Lucie, e são todas situações não confirmadas em primeiro plano, ou
seja, ninguém vai apontar dedos sem a prova definitiva. Paul quer algo que
nunca teve em sua vida, uma espécie de “pequena aventura”. No fundo, ele deseja
uma afirmação da validade de sua existência. Deveria ter se revoltado com o
comodismo na adolescência, então agora canaliza sua frustração de outras
maneiras.
É nesse contexto que Lou desperta
o interesse de Paul. Muitas vezes, nas coversas entre ambos, ela diz sobre como
quer vencer na vida de forma independente. Assim, quando ele a encontra no
lugar de garotas de programas, surge o momento mais íntimo entre os dois, como
se para nos expormos inteiramente aos outros precisássemos do acaso. Aqui, a
dificuldade de Lou é relativizada e melhor compreendida pro não haver nada
oficial que conecte ambos. A ética de Paul só existe por essa sorte, seu
posicionamento só é completamente aberto à outra, pois não precisam estar juntos. Uma troca supostamente desinteressada em que
o mundo da não necessidade curiosamente é o que cava profundo em respectivas
intimidades. Do casamento monótono passa-se a um estilo de vida onde, embora
não seja determinadamente plural, o desconhecido existe. Esquemas forjados para
fugir do monstro da verdade, realidade, cotidiano.
O drama se desenvolve sempre
nessa “possibilidade de acontecer”. São sensações que se confundem, melhor:
simulacro de sensações que são rascunhados. Também por ser jovem, Lou aparenta
estimular Paul sexualmente. É nesse contexto de espera que todas as insinuações
parecem valer realmente mais do que as ações; uma espécie de lei tosca onde o
sopro derruba mais que o vento. Os ciúmes de Lucie talvez mostram sua frustração pelo marido encontrar uma
maneira de sair desse sistema falho. Quando pensa em explicitar algo, fica
calada- soube que Paul estava se encontrando com uma mulher mais jovem e não
disse nada, já está na engrenagem do silêncio.
Paul e sua esposa são dois
amantes que nunca transam; uma espécie de opacidade onde não há atração nem aparente
retração- nada se modifica mesmo quando ele abandona sua casa, os
posicionamentos continuam os mesmos, a câmera permanece estática. No final do
filme, onde retomamos a cena inicial (e nunca consigo não relacionar isso à T.S
Elliot, que parece que tem se repetido com certa constância nesse blog) mesmo o
choque de um suicídio foi incapaz de desestruturar o casamento. É como Paul,
que conta um segredo para uma paciente polaca depois da remoção de um tumor
desta- talvez só existam tempos calcados em experiências verbalizadas, e para
isso ainda não há cirurgia possível.
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