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quinta-feira, 5 de junho de 2014

No caminho de Swans, a tortura e demência em To Be Kind [2014]


Pra ouvir Swans, não tem jeito- headphones grandes que abafam qualquer som ao redor. Ou alguma caminhada no parque perto daqui, de tarde (quando não vão as crianças, os idosos, mas só os vagabundos desempregados). Um pequeno lugar desolado no meio da sempre preenchida paisagem urbana. Dali é possível ver as prisões domésticas que nos trancafiamos todos os dias, dali tudo parece tão simples e óbvio. E desculpem-me o sentimentalismo, mas ouvir Swans é uma experiência, algo que pulsa e que nos tira de qualquer racionalização babaca.

Esperei até que o álbum pudesse ser, hum, encontrado, em 320 kbps- poxa, o Swans merece isso. Fazia frio e chovia. Assim que Screen Shot iniciou, lembrei-me rapidamente dos primeiros lançamentos do conjunto; um mix conturbado de dissonâncias punks e ruídos, um Swans ainda que fora da caixinha, relativamente acessível, como uma isca para ouvintes ingênuos, que deveriam ficar mais atentos com o final tenso da faixa. Já podemos sentir o monstro sonoro que é a banda, ou melhor: que a banda se transforma constantemente em suas apresentações ao vivo, adicionado à dissonância já conhecida dos outros trabalhos.

Eu não sei o critério que eles usam para selecionar o que de fato “entra” ou não em um álbum, mas há uma catarse única em que vazios sinistros são arrematados por dissonâncias- e esse inter-rompimento, brusco ou não, talvez seja a característica mais marcante da carreira da banda. O que Gira tem imposto com muito conhecimento, é uma espécie de simplicidade sônica- como criar texturas tensas sem deixar de ser relativamente acessível, e o que importa é o impacto e a intensidade dessas explorações. Esses grooves simples, do contrabaixo, por exemplo, não estão dispostos como fim em si- mas para causar no ouvinte uma sensação de amedrontamento, desespero, fobia, horror, medo, pavor, temor.

Um céu que constantemente é cortado por nuvens e que parece prestes a uma tempestade a todo instante. Estamos debaixo dessa profusão de cólera e rebelião, onde as pequenas frestas para a luz são rapidamente cobertas por um vocal esguio, antipático- desenhando um quadro cruel, um organismo vivo capaz de dilacerar qualquer coisa bonita construída, melhor: uma britadeira criativa, ao mesmo tempo destrói e constrói. O louco nomeado como Gira é muito versátil: opta por melodias, berra, brada. É evidenciado um desgaste com pré-formulas em busca de novas explorações sonoras ainda assim dialogando com trabalhos lançados pela banda há vinte anos.

As guitarras discordantes enegrecem o céu. Nada mais está visível: apenas uma longa e prolongada zona obscura. O pior já passou ou tudo foi apenas um prenúncio do devir- já estamos na segunda parte do disco. É incontestável que temos o melhor desempenho vocal de Michael Gira ao longo de sua nada breve carreira- um esforço descomunal para desordenar tudo. Em cada canção haverá um chilique, um tremelique, um ataque de sobreposição vocal totalmente foram do tom. O que favorece totalmente o objetivo estético do disco. Vi algumas pessoas falarem que ele usa a voz como instrumento; permita-me discordar, diferentemente do Sigur Rós, a voz de Gira não une ou complementa possíveis melodias; ela é o caos, a reviravolta dentro da dissonância maluca. Sim, somos alçados ao ambiente também por causa dela, mas, e o Swans é prova viva disso, os desacordos e a justaposição de negações também auxiliam para respectivas finalidades.









Faltam alguns minutos para a escuridão completa. Eu já havia formado minha opinião referente ao disco antes da última faixa surgir como algo que tenta justificar tudo o que passamos: as diferentes sensações. Os trabalhos anteriores do Swans brotava inadvertidamente na minha mente, toda a maluquice desenfreada, as bradadas. Fiquei agradecido por ainda existirem bandas assim. A forma como o álbum termina é o melhor exemplo do quão íntimo, particular, intenso, aflito, agitado, enérgico e profundo o Swans pode ser.

Algumas críticas bateram na repetição do álbum, mas é justamente essa concentração de camadas sonoras que explodem em várias direções que amplia- pelo menos o meu- universo de apreensão estética.  A característica selvagem da condição humana. Aqueles que querem ficar dentro da convenção (ultrapassada desde sempre) usual de música podem ficar nessa casa de estruturas, mas vão sair perdendo. É uma jornada admirável, e talvez ainda seja difícil entender a proporção do corpo musical que o Swans está criando- mas já tem seu pilar fincado nas estruturas de qualquer porra-louquice que surja daqui pra frente.

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