Pra ouvir Swans, não tem jeito- headphones grandes que abafam qualquer som ao
redor. Ou alguma caminhada no parque perto daqui, de tarde (quando não vão as
crianças, os idosos, mas só os vagabundos desempregados). Um pequeno lugar
desolado no meio da sempre preenchida paisagem urbana. Dali é possível ver as
prisões domésticas que nos trancafiamos todos os dias, dali tudo parece tão
simples e óbvio. E desculpem-me o sentimentalismo, mas ouvir Swans é uma experiência, algo que pulsa
e que nos tira de qualquer racionalização babaca.
Esperei até que o álbum pudesse
ser, hum, encontrado, em 320 kbps- poxa, o Swans
merece isso. Fazia frio e chovia. Assim que Screen Shot iniciou, lembrei-me
rapidamente dos primeiros lançamentos do conjunto; um mix conturbado de
dissonâncias punks e ruídos, um Swans
ainda que fora da caixinha, relativamente acessível, como uma isca para
ouvintes ingênuos, que deveriam ficar mais atentos com o final tenso da faixa.
Já podemos sentir o monstro sonoro que é a banda, ou melhor: que a banda se
transforma constantemente em suas apresentações ao vivo, adicionado à
dissonância já conhecida dos outros trabalhos.
Eu não sei o critério que eles
usam para selecionar o que de fato “entra” ou não em um álbum, mas há uma
catarse única em que vazios sinistros são arrematados por dissonâncias- e esse
inter-rompimento, brusco ou não, talvez seja a característica mais marcante da
carreira da banda. O que Gira tem imposto com muito conhecimento, é uma espécie
de simplicidade sônica- como criar texturas tensas sem deixar de ser
relativamente acessível, e o que importa é o impacto e a intensidade dessas
explorações. Esses grooves simples,
do contrabaixo, por exemplo, não estão dispostos como fim em si- mas para
causar no ouvinte uma sensação de amedrontamento, desespero, fobia, horror,
medo, pavor, temor.
Um céu que constantemente é
cortado por nuvens e que parece prestes a uma tempestade a todo instante.
Estamos debaixo dessa profusão de cólera e rebelião, onde as pequenas frestas
para a luz são rapidamente cobertas por um vocal esguio, antipático- desenhando
um quadro cruel, um organismo vivo capaz de dilacerar qualquer coisa bonita
construída, melhor: uma britadeira criativa, ao mesmo tempo destrói e constrói.
O louco nomeado como Gira é muito versátil: opta por melodias, berra, brada. É
evidenciado um desgaste com pré-formulas em busca de novas explorações sonoras
ainda assim dialogando com trabalhos lançados pela banda há vinte anos.
As guitarras discordantes
enegrecem o céu. Nada mais está visível: apenas uma longa e prolongada zona
obscura. O pior já passou ou tudo foi apenas um prenúncio do devir- já estamos
na segunda parte do disco. É incontestável que temos o melhor desempenho vocal
de Michael Gira ao longo de sua nada breve carreira- um esforço descomunal para
desordenar tudo. Em cada canção haverá um chilique, um tremelique, um ataque de
sobreposição vocal totalmente foram do tom. O que favorece totalmente o
objetivo estético do disco. Vi algumas pessoas falarem que ele usa a voz como
instrumento; permita-me discordar, diferentemente do Sigur Rós, a voz de Gira não une ou complementa possíveis melodias;
ela é o caos, a reviravolta dentro da dissonância maluca. Sim, somos alçados ao
ambiente também por causa dela, mas, e o Swans
é prova viva disso, os desacordos e a justaposição de negações também auxiliam
para respectivas finalidades.
Faltam alguns minutos para a
escuridão completa. Eu já havia formado minha opinião referente ao disco antes
da última faixa surgir como algo que tenta justificar tudo o que passamos: as
diferentes sensações. Os trabalhos anteriores do Swans brotava inadvertidamente na minha mente, toda a maluquice
desenfreada, as bradadas. Fiquei agradecido por ainda existirem bandas assim. A
forma como o álbum termina é o melhor exemplo do quão íntimo, particular,
intenso, aflito, agitado, enérgico e profundo o Swans pode ser.
Algumas críticas bateram na
repetição do álbum, mas é justamente essa concentração de camadas sonoras que
explodem em várias direções que amplia- pelo menos o meu- universo de apreensão
estética. A característica selvagem da
condição humana. Aqueles que querem ficar dentro da convenção (ultrapassada
desde sempre) usual de música podem ficar nessa casa de estruturas, mas vão
sair perdendo. É uma jornada admirável, e talvez ainda seja difícil entender a
proporção do corpo musical que o Swans
está criando- mas já tem seu pilar fincado nas estruturas de qualquer porra-louquice
que surja daqui pra frente.
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