Despersonalizado, heteronímico,
Fernando pessoa confabulou versos fragmentados nas possibilidades múltiplas da
mente humana, ao mesmo tempo em que apontava o Nada (na concepção de
Heidegger). Heterônimos esses que desenvolveram do- que a psicanálise aponta
como- inconsciente o mais alto nível de linguagem canônica pessoana. Um homem abriga várias vozes, parece ser o legado maior
do escritor, sofisticando versos simples com um notável fluxo de espanto
carregado onde o eu lírico é explicitado, a metafísica indagada como a ciência
positiva. Literariamente, o fascino que Pessoa exerce é um chamado para
passagens mais marcantes que a literatura pode oferecer; estendendo as mãos
para o além do instituído literariamente (não à toa ele desdenha de Dostoiévski), ler Pessoa é redescobrir recônditos pessoais que a sociedade do
mascaramento insistiu em esconder.
A obra de Fernando poderia ser
vista com a intenção da totalidade aplicada na poesia, não fosse uma angústia
solitária constantemente presente. Sua língua pode ser simples e reduzida, o
que não deixa a literatura pessoana
menos intrincada, os enigmas se convergem para a adoração do ser em última
instância em termos heideggerianos. Precisando minuciosamente os versos, os
temas para Pessoa sempre são retratados sob a retaguarda do espanto e da
construção da literatura mais profunda, da forma esteticamente mais disposta;
métrica, versos livres, prosa poética. Múltiplas formas, porém, não devem, nem
de longe, ser o que predomina em uma análise ante racional de seus poemas;
deve-se atravessá-los, pois falam de lugares ausentes.
Apesar de ter criado condições
biográficas formidáveis e brandamente inventivas para seus heterônimos, a marca
pessoana circunda todos os poemas.
Sejam as Odes de Ricardo Reis, o impulso de Álvaro de Campos, ou o naturalismo estoico
de Caiero. Vivendo isoladamente em Portugal, Pessoa, que confessava só viver
através da literatura, empenhado em criar uma vasta e dispersa obra literária
(até dizia em algumas cartas que um dia tomaria coragem e começaria a reunir
seus inúmeros escritos), tornou-se o próprio símbolo da poesia impossível, pois
desejando ser tudo ao todo tempo, descreveu a “estalagem onde tem que se
demorar até que chegue a diligência do abismo” e tão somente isto.
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