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domingo, 31 de janeiro de 2016

Otacílio Melgaço – Brutalism

A arquitetura brutalista emergiu na década de 1950 radicalizando preceitos da época, embora não fosse um “movimento” rígido, suas explorações na forma influenciam a produção contemporânea. Os clamores que surgem na primeira faixa fazem questão de preencher tudo que é possível, não há silêncio porque não há tempo para ficar calado. Devemos apreciar as variações de Brutalism como um preenchimento em que é muito difícil de respirar. Eu encaro o transbordamento do disco como um ato de liberdade. De qualquer forma, Brutalism soa cheio e feito de movimentações inesperadas.

A concepção sonora de Otacílio Melgaço para esse disco parece ter nascido dessa vontade de preencher o vazio de maneira que não há pausas para fôlego, e embora os elementos predominantes remetam ao jazz, toda a ambientação de Brutalism trabalha no contrassentido do vácuo. Novamente, essa necessidade de expressão do músico que combate formações medianas e uniformidades.

Esses condicionamentos limitantes que esvaziam a maioria das tentativas artísticas e as transformam em mera mímesis. Melgaço diagnostica esse esvaziamento contemporâneo e reconhece nos atos mais libertadores do jazz formas que propulsionam todos os contornos musicais do álbum. Mais do que linhas retas, toda a estrutura de Brutalism (o noise rock, a música eletrônica e também a música clássica) opera de maneira que redimensiona um tempo e espaço que parecem opacos. Leiam todos esses desvios de Otacílio como uma maneira da aparência (o som) desvelar as estruturas em favor de qualquer ideia de “verdade” que você possa ter.

Essa apropriação do conceito da arquitetura brutalista não é em vão; somente os contornos podem desnudar a essência da estrutura. A produção musical contemporânea, seja pelo excesso de zelo na produção ou apenas uma estratégia de mercado, usualmente esquece-se de brindar o ouvinte com uma “crueza” ou qualquer outro ato de sinceridade. Brutalism encontra uma sinceridade há muito esquecida para transpor uma ideia de ocupação em uma época criativamente vazia. É uma gravação que escava até a raiz de seu criador para fugir de procedimentos fáceis ou confortáveis e estimular todos que a escutam para se apropriarem e tomarem parte nessa nova construção. Eu sei que soou confuso, mas é como não somente a ideia de construção musical fosse posta em jogo, mas também a verdade por trás dessa construção.

Brutalism começa focando exatamente nessa ideia de ocupação, como se as estruturas já dadas não fossem suficiente e há uma necessidade evidente de Melgaço reelaborá-las e sem se preocupar com qualquer espécie de desconforto que isso possa causar. A seção rítmica depois dos primeiros cinco minutos iniciais mais caóticos, se reorganiza e segue caminhando para caminhos inesperados. O álbum soa como uma alçada que não pode ser freada, uma alçada preocupada em reconstruir, ocupar e desvelar as principais ideias artísticas (em constante movimento) de Otacílio.

A primeira peça é a que traz todos esses conceitos e também é o mote que colabora com a ideia do músico. Não é muito fácil diagnosticar precisamente os instrumentos utilizados nessa, mas temos uma ambientação que a recorrência percussiva coexiste com elementos de sopro, eletrônicos e outros escapes. Melgaço não quer se resignar em nenhum momento e por isso todo o disco é uma batalha contra um conformismo artístico e a voracidade de alguém que anseia em ver seu projeto realizado. Brutalism é a captura desse momento de tensão e criação, em que se percebe que nada é permanente, tudo é ocupável.


Finalmente, todos esses conceitos e ideias não devem atrapalhar sua audição. Entendam o disco como uma tentativa de sair de esquemas convencionais de composição (estruturas) para, na batalha parar criar seções mais radicais, estabelecer algum tipo de movimentação (ocupação). Vai além de meros conceitos ou usurpações para usar esquemas tradicionais e mostrar que o que cria essa tradição (instrumentos) também é capaz de criar outros contornos, esperançosamente mais verdadeiros. Somente os sons são deixados e tudo que podemos sentir dentro da estrutura que eles criam.

Um comentário:

  1. Henrique, meus parabéns pela resenha. Suas opiniões são bastante articuladas e conseguiram trazer à tona muito do encanto que existe nesse disco estupendo que é Brutalism. Acompanho há muito tempo os passos de Otacílio Melgaço e acho que é um fenômeno único na atual música se feita por um brasileiro. Seja pelo exuberância, seja pela ousadia, pela inquietude, eloquência, cosmopolitismo, inventividade. E tudo isso encontrou em você, Henrique, um interlocutor auspicioso. Abraço, João Bengoechea.

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