A arquitetura brutalista emergiu na década de 1950
radicalizando preceitos da época, embora não fosse um “movimento” rígido, suas
explorações na forma influenciam a produção contemporânea. Os clamores que surgem
na primeira faixa fazem questão de preencher tudo que é possível, não há
silêncio porque não há tempo para ficar calado. Devemos apreciar as variações de
Brutalism como um preenchimento em que
é muito difícil de respirar. Eu encaro o transbordamento do disco como um ato
de liberdade. De qualquer forma, Brutalism
soa cheio e feito de movimentações inesperadas.
A concepção sonora de Otacílio
Melgaço para esse disco parece ter nascido dessa vontade de preencher o vazio
de maneira que não há pausas para fôlego, e embora os elementos predominantes
remetam ao jazz, toda a ambientação de Brutalism
trabalha no contrassentido do vácuo. Novamente, essa necessidade de expressão
do músico que combate formações medianas e uniformidades.
Esses condicionamentos limitantes
que esvaziam a maioria das tentativas artísticas e as transformam em mera mímesis. Melgaço diagnostica esse
esvaziamento contemporâneo e reconhece nos atos mais libertadores do jazz
formas que propulsionam todos os contornos musicais do álbum. Mais do que
linhas retas, toda a estrutura de Brutalism
(o noise rock, a música eletrônica e
também a música clássica) opera de maneira que redimensiona um tempo e espaço
que parecem opacos. Leiam todos esses desvios de Otacílio como uma maneira da aparência
(o som) desvelar as estruturas em favor de qualquer ideia de “verdade” que você
possa ter.
Essa apropriação do conceito da
arquitetura brutalista não é em vão;
somente os contornos podem desnudar a essência da estrutura. A produção musical
contemporânea, seja pelo excesso de zelo na produção ou apenas uma estratégia
de mercado, usualmente esquece-se de brindar o ouvinte com uma “crueza” ou qualquer
outro ato de sinceridade. Brutalism
encontra uma sinceridade há muito esquecida para transpor uma ideia de ocupação
em uma época criativamente vazia. É uma gravação que escava até a raiz de seu
criador para fugir de procedimentos fáceis ou confortáveis e estimular todos
que a escutam para se apropriarem e tomarem parte nessa nova construção. Eu sei
que soou confuso, mas é como não somente a ideia de construção musical fosse
posta em jogo, mas também a verdade por trás dessa construção.
Brutalism começa focando exatamente nessa ideia de ocupação, como
se as estruturas já dadas não fossem suficiente e há uma necessidade evidente
de Melgaço reelaborá-las e sem se preocupar com qualquer espécie de desconforto
que isso possa causar. A seção rítmica depois dos primeiros cinco minutos
iniciais mais caóticos, se reorganiza e segue caminhando para caminhos
inesperados. O álbum soa como uma alçada que não pode ser freada, uma alçada
preocupada em reconstruir, ocupar e desvelar as principais ideias artísticas (em
constante movimento) de Otacílio.
A primeira peça é a que traz
todos esses conceitos e também é o mote que colabora com a ideia do músico. Não
é muito fácil diagnosticar precisamente os instrumentos utilizados nessa, mas
temos uma ambientação que a recorrência percussiva coexiste com elementos de
sopro, eletrônicos e outros escapes. Melgaço não quer se resignar em nenhum
momento e por isso todo o disco é uma batalha contra um conformismo artístico e
a voracidade de alguém que anseia em ver seu projeto realizado. Brutalism é a captura desse momento de
tensão e criação, em que se percebe que nada é permanente, tudo é ocupável.
Finalmente, todos esses conceitos
e ideias não devem atrapalhar sua audição. Entendam o disco como uma tentativa
de sair de esquemas convencionais de composição (estruturas) para, na batalha
parar criar seções mais radicais, estabelecer algum tipo de movimentação
(ocupação). Vai além de meros conceitos ou usurpações para usar esquemas
tradicionais e mostrar que o que cria essa tradição (instrumentos) também é capaz
de criar outros contornos, esperançosamente mais verdadeiros. Somente os sons
são deixados e tudo que podemos sentir dentro da estrutura que eles criam.
Henrique, meus parabéns pela resenha. Suas opiniões são bastante articuladas e conseguiram trazer à tona muito do encanto que existe nesse disco estupendo que é Brutalism. Acompanho há muito tempo os passos de Otacílio Melgaço e acho que é um fenômeno único na atual música se feita por um brasileiro. Seja pelo exuberância, seja pela ousadia, pela inquietude, eloquência, cosmopolitismo, inventividade. E tudo isso encontrou em você, Henrique, um interlocutor auspicioso. Abraço, João Bengoechea.
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