"Cada pessoa
estranha no mundo está no meu comprimento de onda."
- Thomas Pynchon
Não é nada incomum bandas de hardcore usarem (e muito bem! Como no
caso do Touché Amoré, por exemplo) a
bateria como instrumento que lidera e conduz o ritmo dos outros aparelhos.
Porém, eu nunca tinha ouvido uma bateria tão brilhante e impecável como a
gravada em The Moon Is a Dead World.
Tamanho “radicalismo” entre tempos extremamente diferentes exige tanto técnica
quanto criatividade. O conhecimento aplicado de diversos andamentos para
intercalar uma música essencialmente “torta”. E esses momentos com diferentes
perspectivas têm seu brilho próprio, a ponto de cada seção ser extremamente importante
não para sua sucessora, mas sim para o momento que ela representa. A
determinação não é prévia, a construção baseia-se na efemeridade de cada
compasso, onde a execução suga a atenção específica de cada minuto.
Estamos em um apocalipse
abstrato. Onde berros encontram solilóquios, declamações e diálogos parecem ser
colhidos do mar composto de todas nossas pequenas lamúrias. Um mundo de
hostilidade suja para nos debruçarmos. Nesse ambiente totalmente aberto
construído pelo Gospel, as inquietações são tão divergentes entre si quanto à
tonalidade da guitarra, suas distorções sujas. Esta que parece ter horror a
monotonia, tanto que muda suas cadências a todo instante, aposta na microfonia
porque está perplexa com a uniformidade das coisas. Essa não é uma banda que
sabe lidar com clichês, decididamente. O ouvinte não está de todo errado se
tomar como um ataque à sua pessoa. É ofensivo em essência, não precisa do
amuleto de palavrões, é um contra-ataque ao pop de massa que nos enche após
cada capítulo de The Voice. É
certamente uma experiência única, um deserto que parece impossível de
atravessar. O objetivo então é alcançado, uma música que nasce do instinto
(somado obviamente com a técnica adquirida), largando mão de praticamente todas
as convenções estéticas.
Acredito que todo aspirante a
baterista deveria ouvir isso. São consecutivas “quebras de expectativa”, que
compõe um cenário completamente instável e caótico. Mas há uma diferença da
bateria de Sean para as que são “apenas” virtuosas. Seu estilo fragmentado
imputa um valor todo próprio às marcações de tempo já desfiguradas do Gospel.
Concentre-se em suas viradas e como elas “preenchem” o panorama sonoro, sem
descanso nenhum. É revelada aqui a expressão genuína de emoções através de um
instrumento, e não apenas mero acompanhamento para as supostas sensibilidades
das letras. Em certo ponto, pensamos, “nossa, mas até onde esse rapaz vai e
como ele tem tanto fôlego?”. Pelo andamento do disco, seus pratos sempre soam
descentrados, puxando uma música que já nasce extrema aos limites quase do
impossível. A cada música duvidamos se ele vai superar seu desempenho na
anterior e o nível não cai nunca. São múltiplas batidas que evocam percepções
sonoras que talvez nós não soubéssemos possuir.
Mesmo na hora de construir seu
“épico apocalipse”, o Gospel evita caminhos já trilhados e busca uma autenticidade.
Que diga os vocais, ao contrário de quase todas as bandas de screamo, não soam “nervosos” ou
“tristes”. Mas simplesmente insanos, onde a cada minuto acompanha os ruídos
atraentes e repulsivos (ao mesmo tempo!) de uma guitarra que deseja apenas
queimar. Mesmo usando elementos muitos distintos de bandas como A Silver Mt. Zion fica aquela impressão do
céu enegrecendo enquanto as sombras vão tirando toda cor e vida do solo. Uma tempestade
em que as rajadas são imprevisíveis, surgindo dos pontos mais excêntricos,
ainda assim extremamente criativo e sofisticado à sua maneira. Não temos uma
revolta panfletária, ou uma denúncia do tecnicismo. É a pura demência
representada no envolvimento de três cabeças loucas o suficiente para querer
levar adiante tamanha catarse em forma de música.
Embora os clássicos elementos de screamo e post-hardccore que eu avisei; este álbum simplesmente deveria ser
ouvido por qualquer um interessado em música desafiadora. Com certeza fica no
hall dos discos mais singulares da história disso que se convencionou chamar hardcore. Mas que em nenhum momento se
limita, baseando toda sua força no talento extremo dos músicos. Onde a
diversidade não soa esquisita ou forçada, mas como mais um elemento para puxar
os limites da criação. Integrando a estética violenta e emotiva com passagens
totalmente experimentais com ritmos dissonantes. A radicalização de um gênero, a
ampliação da certeza do fim.
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