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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A ambição do Touché Amoré

"Oh Cristo, o esgotamento de não saber nada. É tão cansativo e difícil para os nervos. Isso realmente te esgota, não saber de nada. Lhe dão a comédia e você perde todas as piadas. Cada hora você fica mais fraco. Às vezes, quando me sento sozinho no meu apartamento em Londres e olho para a janela, eu descubro como lúgubre é, como é pesado, assistir a chuva e não saber por que ela cai. "
 - Martin Amis, Grana.

I

Não gosto muito de ficar “embaralhando” e citando gêneros apenas para mostrar que sei um pouquinho disso ou daquilo, mas no caso do Touché não tem como falar outra coisa. O primeiro lançamento cheio do conjunto se baseia no screamo dos anos 90, elementos de “transição” utilizados no que se convencionou chamar de hardcore moderno (as mudanças de tempo, as dedilhadas, os “punch” do post-rock) e muita melodia de bandas como Dag Nasty. Tudo isso tira a banda de qualquer “nicho” para abraçar as mais diversas correntes de consumidores de música por aí- tanto que configura desde sites mais “enraizados” como o dyingscene aos mais “hypes” tipo Pitchfork ou o canal de resenhas do Athony Fantano.

A voz de Jeremy, apesar dos berros, é compreensível e exalam um eu - lírico que está coberto em agonia e angústia. Como ele diria quatro anos depois, no Is Survived By, está totalmente exposto para todos observarem. Essa é a ponta para a conexão com o ouvinte que esse tipo de música tem talvez como mérito maior. O encontro ocorre no compartilhamento de fracassos ou na percepção da tristeza. Somos saturados com sons elípticos e andamentos que se desencontram, aprofundando a sensação de aflição, ao mesmo tempo em que há uma luta constante para sair dessa merda. O ouvinte fornece seu tempo e a banda nos entrega com muita honestidade suas percepções de mundo. Funciona.


A banda coloca muita emoção em apenas vinte minutos. E nesse pacote temos guitarras mudando tons, uma bateria incrível que é violenta e precisa. Nos momentos em que toda atenção teoricamente deveria se voltar aos gritos, a percussão surge precisa e as guitarras ficam num pano de fundo repetitivo como um ciclo muito difícil de se libertar. Em uma experiência de menos de meia-hora, é muito custoso encontrar bandas que conseguem empacotar tamanha entrega e surpreendente variabilidades em um gênero cuja estética sempre se destacou pelo simplismo. O objetivo do álbum é cumprido porque eles conseguem nos enfeitiçar nessa atmosfera de lamúrias e desilusões. Os diferentes andamentos rítmicos das músicas se encontram nesse ponto em comum e conseguem algo relativamente árduo: em tão pouca duração, apresentar propostas diversas que se encaixam nessa dinâmica de “angústia”. A percepção de velocidade e efemeridade se ajusta em nossa relação com o disco cada vez que ouvimos, e seu ciclo de isolamento está completo porque logo menos estaremos cantando as mesmas frustrações.
...To the Beat of a Dead Horse [2009]
I'm losing friends.
I've got a love/hate/love with the city i'm in.
I'll count the hours, having just one wish.
If i'm doing fine, there's no point to this.

Embora possa soar muito “simples” em alguns pontos,  ...To the Beat of a Dead Horse nos captura em quase todos os momentos. Uma sensação de agonia amarrada com desabafos que precisam ser expostos. Nesse sentido, talvez, não nos sentiremos melhores- mas teremos uma companhia para as longas horas em que a insônia se faz presente.

II

Se antes, “sobrava” agonia, em Parting The Sea Between Brightness And Me temos muita energia. Não há elementos novos aqui, segue mais ou menos o que os contemporâneos como Pianos Become the Teeth ou Dangers fazem, isso é: linhas que são relativamente parecidas com a progressão de metal e uma influência interessante do emo dos anos 90. Nada mal. Mais do que isso, são bandas, ao lado do La Dispute, Defeater e até do próprio Title Fight (que está muito longe dessa estética screamo), que buscam dentro dos recursos disponibilizados no “faça você mesmo” abraçar um conceito e não apenas “lançar” músicas. Mérito artístico.

Mais uma vez, a condensação talvez seja o que mais agrada no conjunto. Muitas bandas demoram demais para construir os climas e algumas partes soam chatas e repetitivas. Bem, não é o caso desses meninos, que, por exemplo, nas três primeiras músicas conseguem nos colocar no clímax pancada após pancada, variando entre o minimalismo ao épico em questão de muito pouco tempo. Assim, temos uma proposta que articula suas variações sem se perder em nenhum momento.

O que traz um problema, obviamente. Tanta dinâmica e compreensão ficam legais nas primeiras ouvidas, mas depois a homogeneidade aparente da audição primária perde-se em algo que aposto que eles queriam evitar, a repetição. Esse processo talvez perca o sentido quando a banda intenta só, e somente só, isso. Ao ponto que depois dessas três primeiras canções (e não me levem a mal, elas talvez contem pelo disco todo) percebemos que na quarta temos praticamente a mesma fórmula, e assim por diante. Num certo sentido, é um jogo perigoso o desses rapazes, afinal, se é um conjunto que aposta praticamente todas suas cartas na emoção que as músicas suscitam em nós, os sentimentos deles são tão reduzidos a ponto de sempre serem revelados em menos de três minutos?
Parting The Sea Between Brightness And Me [2011]
O Touché Amoré, em Parting The Sea Between Brightness And Me, provou que eles podem fazer um disco de hardcore bom pra caralho. E aqui todas as variações que o gênero permite: os berros, as dedilhadas, os vocais épicos.  Mas eles claramente têm vocação para fazer algo mais do que essa barreira que eles criaram. É como se a obra que vêm ambicionando ficasse presa no mesmo empecilho que no álbum anterior se destacou. Emoção conta sim, e muito, mas pedir criatividade nunca é demais.

III

Aparentemente o conjunto entendeu isso quando entraram no estúdio para a gravação de seu último disco cheio, Is Survived By. Pense em todos os limites que foram uma barreira em Parting The Sea Between Brightness And Me, eles foram colocados de lado para variações rítmicas polissômicas, em um instrumental complexo que acompanha as letras, estas adquirindo peso filosófico, onde questões sobre mortalidade e legacia pós-vida são aprofundadas. Não ficamos mais saturados com a compreensão de todos os elementos obviamente bons do hardcore, estes parecem mais flexíveis e bem distribuídos, sem atropelamento. A raiva e angústia continuam, mas a banda percebeu que há mais caminhos para explorar e não evitaram fazê-lo.


O equilíbrio entre os vocais do Jeremy e a parte instrumental está melhor do que nunca. Ao mesmo tempo em que ele se dedica com os vocais emocionantes já conhecidos anteriormente, há espaço para a melhor utilização das guitarras e o notável trabalho de bateria do Elliot, que alterna entre ritmos muito rápidos tão característicos do punk rock com seções meio tempo nos momentos mais imprevisíveis. Com as letras mantendo a qualidade e a sempre marcante entrega de Bolm nos vocais, essas novas variações instrumentais só acrescentaram, moldando para além da fórmula que foi tão agradável no primeiro disco e nem tanto no segundo. Essa espécie de “reajuste” tira o Touché Amoré duma limbo que eu temia que eles caíssem: a de bandas que são realmente boas, mas totalmente previsíveis. Fica muito difícil arriscar como vai ser o próximo disco da banda depois de Is Survived By. É algo muito mais ambicioso do que eles fizeram anteriormente, e que sempre que ouço me traz uma comparação com To Bring Our Own End, do qual certamente a banda foi influenciada.
Is Survived By [2013]
E todo esse “espaço” que a banda permitiu para variações instrumentais, indo rapidamente entre acordes diretos para uma seção jam, não tira de maneira nenhuma a honestidade que sentíamos anteriormente. A paixão doentia continua lá, só melhor distribuída e sem querer ser evidenciada a todo instante. Num certo sentido, embora as músicas, como afirmei, tenham mais horizontes onde são desenvolvidas, depois da audição, sentimos que percorremos uma espécie de atmosfera construída por todas essas divergências. Estranho que um álbum decididamente mais variado nos ofereça uma impressão de “conceito”, maior do que nos lançamentos anteriores. É como se todas essas múltiplas faces que o Touché decidiu exibir integrassem as dúvidas profundas que são erguidas durante o disco. Não há a saturação como em Parting The Sea Between Brightness And Me, pelo contrário, ouvir Is Survived By repetidas vezes vai oferecer pontos anteriormente não encontrados.

Is Survived By é construído por uma banda que parece estar completamente confortável com sua sonoridade, um Jeremy menos “contraído” do que no disco anterior (ainda que relativamente monótono). Talvez os fãs do primeiro trabalho estranhem o som muito mais polido, mas aqui isto não parece mero esmero como em Parting The Sea Between Brightness And Me, pois esse álbum justifica essa superprodução em seus micros detalhes, as passagens que se completam. É engraçado como uma banda consegue se renovar sem ir muito além do que fez anteriormente, apenas contando com idéias diferentes e mais vontade do que apenas “empacotar” músicas extremamente emotivas em menos de três minutos. Em algum ponto, Jeremy diz “há sempre uma chance de recair e voltar a ser a pessoa que eu ainda temo estar ali”. Como artistas, o Touché Amoré deu um passo a frente e fez essa queda parecer muito improvável.

This is survived by a love. This is survived by a cause; that you aren’t the only who remembers what it was. This is survived by a love. This is survived by a wish; that you won’t let down who has attached themselves to it.”

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