"Oh Cristo, o esgotamento de não saber nada. É tão cansativo e difícil
para os nervos. Isso realmente te esgota, não saber de nada. Lhe dão a comédia
e você perde todas as piadas. Cada hora você fica mais fraco. Às vezes, quando
me sento sozinho no meu apartamento em Londres e olho para a janela, eu
descubro como lúgubre é, como é pesado, assistir a chuva e não saber por que
ela cai. "
- Martin Amis, Grana.
I
Não gosto muito de ficar
“embaralhando” e citando gêneros apenas para mostrar que sei um pouquinho disso
ou daquilo, mas no caso do Touché não
tem como falar outra coisa. O primeiro lançamento cheio do conjunto se baseia
no screamo dos anos 90, elementos de
“transição” utilizados no que se convencionou chamar de hardcore moderno (as mudanças de tempo, as dedilhadas, os “punch” do post-rock) e muita melodia de bandas como Dag Nasty. Tudo isso tira a banda de qualquer “nicho” para abraçar
as mais diversas correntes de consumidores de música por aí- tanto que
configura desde sites mais “enraizados” como o dyingscene aos mais “hypes”
tipo Pitchfork ou o canal de resenhas
do Athony Fantano.
A voz de Jeremy, apesar dos
berros, é compreensível e exalam um eu - lírico que está coberto em agonia e
angústia. Como ele diria quatro anos depois, no Is Survived By, está totalmente exposto para todos observarem. Essa
é a ponta para a conexão com o ouvinte que esse tipo de música tem talvez como
mérito maior. O encontro ocorre no compartilhamento de fracassos ou na
percepção da tristeza. Somos saturados com sons elípticos e andamentos que se
desencontram, aprofundando a sensação de aflição, ao mesmo tempo em que há uma
luta constante para sair dessa merda. O ouvinte fornece seu tempo e a banda nos
entrega com muita honestidade suas percepções de mundo. Funciona.
A banda coloca muita emoção em
apenas vinte minutos. E nesse pacote temos guitarras mudando tons, uma bateria
incrível que é violenta e precisa. Nos momentos em que toda atenção
teoricamente deveria se voltar aos gritos, a percussão surge precisa e as
guitarras ficam num pano de fundo repetitivo como um ciclo muito difícil de se
libertar. Em uma experiência de menos de meia-hora, é muito custoso encontrar
bandas que conseguem empacotar tamanha entrega e surpreendente variabilidades
em um gênero cuja estética sempre se destacou pelo simplismo. O objetivo do
álbum é cumprido porque eles conseguem nos enfeitiçar nessa atmosfera de
lamúrias e desilusões. Os diferentes andamentos rítmicos das músicas se
encontram nesse ponto em comum e conseguem algo relativamente árduo: em tão
pouca duração, apresentar propostas diversas que se encaixam nessa dinâmica de
“angústia”. A percepção de velocidade e efemeridade se ajusta em nossa relação
com o disco cada vez que ouvimos, e seu ciclo de isolamento está completo
porque logo menos estaremos cantando as mesmas frustrações.
...To the Beat of a Dead Horse [2009] |
I'm losing friends.
I've got a
love/hate/love with the city i'm in.
I'll count the hours,
having just one wish.
If i'm doing fine,
there's no point to this.
Embora possa soar muito “simples”
em alguns pontos, ...To the Beat of a Dead Horse nos captura em quase todos os
momentos. Uma sensação de agonia amarrada com desabafos que precisam ser
expostos. Nesse sentido, talvez, não nos sentiremos melhores- mas teremos uma
companhia para as longas horas em que a insônia se faz presente.
II
Se antes, “sobrava” agonia, em Parting The Sea Between Brightness And Me
temos muita energia. Não há elementos novos aqui, segue mais ou menos o que os
contemporâneos como Pianos Become the
Teeth ou Dangers fazem, isso é:
linhas que são relativamente parecidas com a progressão de metal e uma
influência interessante do emo dos
anos 90. Nada mal. Mais do que isso, são bandas, ao lado do La Dispute, Defeater e até do próprio Title Fight (que está muito longe dessa
estética screamo), que buscam dentro
dos recursos disponibilizados no “faça você mesmo” abraçar um conceito e não
apenas “lançar” músicas. Mérito artístico.
Mais uma vez, a condensação
talvez seja o que mais agrada no conjunto. Muitas bandas demoram demais para construir
os climas e algumas partes soam chatas e repetitivas. Bem, não é o caso desses
meninos, que, por exemplo, nas três primeiras músicas conseguem nos colocar no
clímax pancada após pancada, variando entre o minimalismo ao épico em questão
de muito pouco tempo. Assim, temos uma proposta que articula suas variações sem
se perder em nenhum momento.
O que traz um problema,
obviamente. Tanta dinâmica e compreensão ficam legais nas primeiras ouvidas,
mas depois a homogeneidade aparente da audição primária perde-se em algo que
aposto que eles queriam evitar, a repetição. Esse processo talvez perca o
sentido quando a banda intenta só, e somente só, isso. Ao ponto que depois
dessas três primeiras canções (e não me levem a mal, elas talvez contem pelo
disco todo) percebemos que na quarta temos praticamente a mesma fórmula, e
assim por diante. Num certo sentido, é um jogo perigoso o desses rapazes,
afinal, se é um conjunto que aposta praticamente todas suas cartas na emoção
que as músicas suscitam em nós, os sentimentos deles são tão reduzidos a ponto
de sempre serem revelados em menos
de três minutos?
Parting The Sea Between Brightness And Me [2011] |
O Touché Amoré, em Parting The Sea Between Brightness And Me,
provou que eles podem fazer um disco de hardcore
bom pra caralho. E aqui todas as variações que o gênero permite: os berros, as
dedilhadas, os vocais épicos. Mas eles
claramente têm vocação para fazer algo mais do que essa barreira que eles
criaram. É como se a obra que vêm ambicionando ficasse presa no mesmo empecilho
que no álbum anterior se destacou. Emoção conta sim, e muito, mas pedir
criatividade nunca é demais.
III
Aparentemente o conjunto entendeu
isso quando entraram no estúdio para a gravação de seu último disco cheio, Is Survived By. Pense em todos os
limites que foram uma barreira em Parting The Sea Between Brightness And Me,
eles foram colocados de lado para variações rítmicas polissômicas, em um
instrumental complexo que acompanha as letras, estas adquirindo peso
filosófico, onde questões sobre mortalidade e legacia pós-vida são
aprofundadas. Não ficamos mais saturados com a compreensão de todos os
elementos obviamente bons do hardcore,
estes parecem mais flexíveis e bem distribuídos, sem atropelamento. A raiva e
angústia continuam, mas a banda percebeu que há mais caminhos para explorar e
não evitaram fazê-lo.
O equilíbrio entre os vocais do
Jeremy e a parte instrumental está melhor do que nunca. Ao mesmo tempo em que
ele se dedica com os vocais emocionantes já conhecidos anteriormente, há espaço
para a melhor utilização das guitarras e o notável trabalho de bateria do Elliot,
que alterna entre ritmos muito rápidos tão característicos do punk rock com
seções meio tempo nos momentos mais imprevisíveis. Com as letras mantendo a
qualidade e a sempre marcante entrega de Bolm
nos vocais, essas novas variações instrumentais só acrescentaram, moldando para
além da fórmula que foi tão agradável no primeiro disco e nem tanto no segundo.
Essa espécie de “reajuste” tira o Touché
Amoré duma limbo que eu temia que eles caíssem: a de bandas que são
realmente boas, mas totalmente previsíveis. Fica muito difícil arriscar como
vai ser o próximo disco da banda depois de Is
Survived By. É algo muito mais ambicioso do que eles fizeram anteriormente,
e que sempre que ouço me traz uma comparação com To Bring Our Own End, do qual certamente a banda foi influenciada.
Is Survived By [2013] |
E todo esse “espaço” que a banda
permitiu para variações instrumentais, indo rapidamente entre acordes diretos
para uma seção jam, não tira de
maneira nenhuma a honestidade que sentíamos anteriormente. A paixão doentia
continua lá, só melhor distribuída e sem querer ser evidenciada a todo
instante. Num certo sentido, embora as músicas, como afirmei, tenham mais
horizontes onde são desenvolvidas, depois da audição, sentimos que percorremos
uma espécie de atmosfera construída por todas essas divergências. Estranho que
um álbum decididamente mais variado nos ofereça uma impressão de “conceito”,
maior do que nos lançamentos anteriores. É como se todas essas múltiplas faces
que o Touché decidiu exibir
integrassem as dúvidas profundas que são erguidas durante o disco. Não há a
saturação como em Parting The Sea Between Brightness And Me, pelo contrário,
ouvir Is Survived By repetidas vezes
vai oferecer pontos anteriormente não encontrados.
Is Survived By é construído por uma banda que parece estar
completamente confortável com sua sonoridade, um Jeremy menos “contraído” do
que no disco anterior (ainda que relativamente monótono). Talvez os fãs do primeiro
trabalho estranhem o som muito mais polido, mas aqui isto não parece mero
esmero como em Parting The Sea Between Brightness And Me, pois esse álbum justifica
essa superprodução em seus micros detalhes, as passagens que se completam. É
engraçado como uma banda consegue se renovar sem ir muito além do que fez
anteriormente, apenas contando com idéias diferentes e mais vontade do que
apenas “empacotar” músicas extremamente emotivas em menos de três minutos. Em
algum ponto, Jeremy diz “há sempre uma chance de recair e voltar a ser a pessoa
que eu ainda temo estar ali”. Como artistas, o Touché Amoré deu um passo a frente e fez essa queda parecer muito
improvável.
“This is
survived by a love. This is survived by a cause; that you aren’t the only who
remembers what it was. This is survived by a love. This is survived by a wish;
that you won’t let down who has attached themselves to it.”
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