Desde que a vida em si pode ser vista como um voo para lugar nenhum
terminando com uma colisão, a nova comédia de Pedro Almodóvar "Os Amantes
Passageiros"- cuja qual a equipe e passageiros de um voo comercial
aprendem, logo após sair de Madrid, quando o avião enfrenta um potencial
desastre- peça para grandes tomadas metafóricas, e que, na maioria do tempo,
cumpre o desafio. O filme- ou, melhor, Almodóvar- borbulha ideias, começando
com a cena de abertura, estrelando as duas grandes estrelas, Penélope Cruz e Antônio
Bandeiras, numa sequência hilária diegética
com os clichês cômicos modernos, que surpreendentemente, terá um impacto substancial
nos eventos que ocorrerão no ar.
O filme é rico de simbolismo e vitalidade cômica centrado no trio de aeromoças,
homens gays quem contrastam com a postura sóbria do piloto e copiloto, com quem
dois deles estão tendo um caso. Para começar, a diversão toma lugar na frente
do avião- a cabine de controle e a classe executiva- porque os passageiros da
classe econômica foram "forçados" a dormir para próprio conforto. E
quando as palavras saem causando confusão na classe executiva- incluindo uma dominatrix famosa, um banqueiro falido,
um agente de segurança misterioso, uma clarividente virgem, e um ator famoso- a
proximidade da morte (mais drogas com coquetel) atua como a sirene da verdade,
despejando um raio de segredos e desejos.
Almodóvar claramente tem muito em mente, e preenche isso com claridade e
vigor. A troca de passageiros da classe econômica que dormem enquanto a classe
executiva sugere caridosamente que sexo é um luxo crucial, um dos maiores
provedores de dinheiro e poder. Seu cinismo hedonístico
de olhos abertos é sublime, como a desconstrução da prostituição como um
serviço inquestionável e crucial para homens poderosos e ricos; em uma
contemplação pessoal que a dominatrix
encontra sua profissão B; na ironia de um aeroporto vazio, feito de
investimentos de um financiador dúbio; no álcool e drogas e o mal maior
distante crescente surgindo de sua repressão.
Acima de tudo, a maneira que ele retrata as três aeromoças masculinas,
com seus pulsos batendo e maneirismos teatrais, afirma que há alguma coisa como
uma cultura gay, uma estética que surge da (mas que não é reduzida à)
homossexualidade- e que essa cultura é absolutamente central para nossa ideia
de cultura como tal e um solvente universal de liberação sexual (e, por conseguinte,
a libertação como tal). Os três comissários de bordo não são em si ricos ou
poderosos, mas eles são coadjuvantes constantes e cruciais da cena de poder. Ao
vincular sexo e poder, é como se Almodóvar estivesse revestindo causa e efeito-
sugerindo que o espírito do excesso é também o espírito do empreendimento, que
caminha para prazer, sucesso, e poder são unidos inextricavelmente.
É apto falar de Os Amantes Passageiros em uma época crucial de
transformação dos valores, em que fundamentalistas religiosos reacionários
insistem na profusão de seus estereótipos pré-concebidos em um estado
oficialmente laico. Sexo não é mais privilégio de poder político no Brasil;
aqui, os altos cargos estão sob o domínio principalmente de fiéis monogâmicos.
Nações Europeias ainda tendem a deixar as vidas privadas de figuras públicas
fora da equação (e fora do noticiário), e talvez seja o porquê de Almodóvar-
mesmo que ele enfatize vidas luxuriosas e prazeres privilegiados- também chamar
a atenção para a trilha que as vítimas deixam no chão após alçar voo.
Ele faz na sequência mais bela e surpreendente do filme, localizada em
Madrid, que é construída de uma conversa telefone entre o ator famoso e sua
mulher desiludida, quem está em uma situação desesperada que é muito suculenta
para eu contar o que ocorre e estragar, e que resulta em uma coincidência
incrível que faz um dos momentos mais inspirados de todos os filmes nesse ano.
A sequência é tão clara em seu pathos,
pois é efervescente na sua comédia, escurecendo a busca do prazer com a sombra
da tragédia, e culmina na viúva cautelosa o arrebatamento paralelamente oposto
ao prazer insaciado dos passageiros. É que os passageiros já estão despidos das
preocupações mundanas enquanto na terra as pessoas ainda vivem seus problemas
demasiadamente concretos e objetivos (ou simplesmente inventados e encarados
como problemas)!
Primeiramente, eu suspeitei que Almodóvar estivesse tão envolto nas
ideias do filme que não havia restado muita energia- ou não sentiu a
necessidade de se devotar muito- à filmagem. Para toda a exibição do filme do
grande gesto romântico na face do desastre iminente, sua filmagem raramente se
sentia imediata, dando a sensação de um teste de atuação ante a um diretor que
planeja realizar uma obra pertinente. O filme oferece, de passagem, alguns
momentos estilizados cheios de alegria- como a coreografia sincronizada (diegética com os clichês de comédia
modernos) dos comissários de bordo durante as demonstrações de segurança, o
fascínio da tela da cabine de controle e luzes da pista, o brilho de uma
fuselagem, e vários exuberantes ângulos inclinados- mas eles são todos
demasiadamente breves e subdesenvolvidos, como decorações alinhadas que parecem
incidentais para a ação. Não é que o filme seja demasiadamente estilizado, sua
estilização é insuficiente.
Em meio à sessão, eu me encontrei sentindo falta do cinismo simbólico do
Claude Chabrol em A Comédia do Poder, outra história sobre poder e sexo, muito
menos do que os filmes de Rainer Werner Fassbinder, com seu entendimento cruel
de sexo enquanto poder. Mas, em última análise, Almodóvar é um cineasta muito
mais moralista (não na concepção fundamentalista) do que qualquer um destes; se
Fassbinder e Chabrol oferecem estilos de cinema unificados, radicais e
aperfeiçoados, é, em parte, em função que o seu sentido de dor e prazer é
totalmente separado do seu senso de justiça. Almodóvar não deixar seu cinismo
ir muito longe (ele ainda acredita numa espécie de transcendência dos
prazeres), seus filmes exaltam o calor e a civilidade mundana, mas para pegar emprestada
uma frase de Jean Cocteau em Orfeu, ele sabe o quão longe ir muito longe. Em A
Pele Que Habito, a abrangência do seu tema parece escapar, para depois
recuperar o controle no tiro final do filme, ele deixa a protagonista escapar
da prisão, da enfermidade. Aqui, ele permanece no controle e fica do lado de
uma decência humanista defensiva, o que é admirável para a república, mas
frequentemente contrasta com estéticas, as quais arrancam teorias extremas de
experiência e possibilidade (i)moral.
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