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sábado, 28 de janeiro de 2017

o céu é dos cachorros

Tudo na natureza termina em tragédia e e eu sentia o acontecimento Fatal de tua ida enquanto ouvia meu pai falar "puts" no telefone e eu sabia que você não existia mais. Eu caí em prantos. O carro se locomovia lentamente pelas ruas de Lavras, os muros desgastados como símbolos intuitivos-desgastados do que nós sentíamos. Nunca mais um "bom dia Pitoco" e nunca mais sentir sua língua lambendo o peito dos meus pés e fazendo cócegas em mim

Porém evocações de tua imagem pequena com a língua pra fora não vão morrer. Eu até tentei te desenhar visualmente nas nuvens na viagem à Varginha. As grandes paisagens e montes mineiros se estendendo num rio verde enquanto meu choro era abafado pela voz doce de Ben Gibbard (e de quem mais poderia ser?). E eu até que aguentei bem ouvir o Plans sequencialmente mas óbvio que quando chegou What Sarah Said eu literalmente desabei e nem a sequência do asfalto interminável pode parar aquele momento que, em muito tempo, eu entendi como uma situação verdadeiramente triste

"And I knew that you were truth
I would rather loose
Than to have never lain beside at all"

A primeira memória: você, ainda magrinho e ainda novinho, vindo correndo aparentemente feliz para minha mãe e eu enquanto era ainda cachorro de rua. Um dia depois eu cheguei da escola mais ou menos ao meio-dia e você já estava em nosso quintal. Eu ainda meio bobo e ainda meio tímido e ainda meio temeroso não sabia como agir 

Várias outras memórias que não sei precisar e vários outros momentos que não sei à quem creditar. Mas eu lembro que nós passeávamos muito tempo em certa época conhecendo Santo André. Dois pequeninos não sabendo bem o que estávamos fazendo. Dois pequeninos aparentemente inseparáveis embora às vezes distantes (lembra daquela vez que eu fingi que fugi de casa e fiquei ao seu lado no quarto em que você dormia na parte externa no fundo de nossa casa?

Dissolvem as certezas de memória e resistem ligações afetivas não contra o tempo ou contra a naturalidade inevitável. Dissolve tudo menos um elemento conectivo que tínhamos. Pelo menos da minha parte este elemento resiste contra este mundo mesquinho e pequeno. E, daqui da sala em que eu vi você dormindo na respectiva porta tantas vazas, eu prometo emprestar à honra das tuas lembranças às ruas inclinadas, aos cachorro da rua, aos gramados descampados, a todas as músicas que eu escutar. Até as coisas com relação à ti pararem de ser totalmente dor e se transformarem no carinho e amor originários

Respirar é apenas uma contagem regressiva até sermos obliterados desta existência? Pois quando chegamos ontem dum pequeno passeio você estava na sala de televisão, dormindo próximo à mesa e ao Edu, como você vinha estando nos últimos 13 ou 14 anos. Certa vez a gente assistia Sonhos, do Kurosawa, e você viu um gatinho na tela imensa. Você ficou meio que miando pro gato e foi atrás do suporte da TV ver se havia um gato lá. Nós rimos e estava tudo bem. Estava tudo bem

O relógio conta o tempo que demora na cozinha em que você ficava atrás (especialmente da minha mãe) das pessoas torcendo para elas te darem um teco da comida. E nos últimos meses você tinha perdido aquele vigor em latir e brincar e preferencialmente se interessava em dormir e comer. Ainda assim tínhamos um tipo de contato em pequenas doses diárias entre meus estudos e minhas escritas e suas cochiladas. Pensando bem, você deve estar feliz porque você amava cochilar e a gente sempre ria quando ouvia teu ronco ecoando mais forte que os sons da televisão

Eu ainda to tentando compreender a magnitude de tudo isso; a magnitude da perda de seus latidos e a magnitude da falta de todo santo dia acordar e você não estar mais lá. Latir se tornou silêncio e eu sei que apenas o silêncio faria jus à tua homenagem. Eu devia me calar sempre e não tentar encontrar estes significados bobos. Eu sei

Cada respiração preciosa que eu desperdicei em ódio e rancor primários. Em nunca atribuir verdadeira vontade e dedicação em algo verdadeiramente construtivo. Eu vinha fazendo isso em pequenas doses, é verdade, mas a dor do impacto da tua ausência que vai me lembrar das coisas importantes. Vou tentar

Meus pais fizeram tudo que podiam. Eles barganharam com o universo. Todas vezes que você ficou mal e nós reparamos sinais de melhora. Desta vez não havia. Os tumores cresciam. O câncer crescia. Um particularmente. Bem perceptível do lado da tua boca, vermelho, acumulando sangue

Eu até pensei na hora porque não minha vida ao invés da tua mas eu sabia que aquilo era bobagem e que as lágrimas descendo pela minha face não diziam nada se não apenas uma dor acumulada em algum lugar desesperada para sair e fechada (talvez para sempre) em um canto que sempre vai se confundir com sua memória e já já com a alquimia do que chamamos tempo vai se transformar em apenas saudade

Mas nenhuma quantidade de dinheiro, drogas ou lágrimas puderam te manter aqui. Você bocejando em sinal de sono, fazendo um barulhinho estranho e todos miravam em tua direção e eu acho que você se sentia feliz pela atenção. Como quando, ainda em Santo André, latia para os carros furiosos que passavam na frente do nosso portão e vinha para a sala todo feliz mostrar para gente que estava nos protegendo

Que propósito serviu seu sofrimento? A gente sabe que não há um Grande-Outro. Eu por negar qualquer merda de entidade divina ou propósito maior e você por apenas se interessar por comida, passear, latir, cócegas embaixo do queixo. Apenas isso bastava e tudo estava bem

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