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sábado, 7 de abril de 2018

esboçar uma existência

No limite em que eu escondi minhas incertezas, eu fui fingindo tudo para parecer que, com tamanho fingimento, fosse possível habitar um espaço e estar verdadeiramente nele, e não vagando por distantes paisagens imprecisas. Foi só em 2014 que alguém descobriu a farsa que eu era enquanto eu orava silenciosamente para que o show de performances mantivesse a esperança de ser algo possível. Antes do ano da Copa no Brasil, foi um acúmulo indistinguível de rosnares e uivos, sozinho em casa ou na faculdade com alguém- foi só ao me entregar ao que chamam de amor que meu trânsito de fantasias foi policiado e eu fui arremessado a um lugar não-hospedeiro. Sozinho, enchia-me de medicamentos para dormir o maior número de horas possíveis e anestesiava-me com jogos de futebol pela televisão. Eu sabia que as bestas as quais estavam enjauladas desde o início da faculdade, e suas quimeras derivativas, pulariam do meu peito e bradariam contra o real quando eu fosse declarado culpado absoluto pelas encenações baratas e maldosas. Gritos nos shows, ler livros desesperadamente, ver todos os filmes metafísicos não eram sequer capazes de fazer cócegas na armadilha que eu montei durante tantos anos. As vozes de todos que partiram ainda ressoam nos meus sonhos, em que na maioria das vezes estou trancado sozinho no banheiro de uma casa  que não reconheço. A bebida também não era mais capaz de acalmar os lamentos e por causa dela eu frequentei o inferno pela primeira vez. Eu não tinha medo das lágrimas (elas eram raras), mas sim de que os arrependimentos deixassem-me tão imóvel e incapaz de vibrar com as cidades pelas quais eu passava. Eu não tinha medo da dor ou do pânico e nos únicos dois colapsos que eu tive eu não consegui evocar salvação nenhuma a não ser melodias espectrais de canções que ouvira uma ou duas vezes. Um corpo sem emoção é capaz de muita coisa e arruinar muitas vidas, espalhando a falsidade pelas palavras disfarçadas.

Domado pela ferida no olho causada por dois policiais em São Bernardo Do Campo, eu viajei pelas estradas escuras rumo à casa da minha avó. Tentando construir um futuro depois de tantos anos de desespero e sem saber o que fazer. Um ano depois eu consegui terminar meu primeiro romance, mas nada nunca conseguirá apagar a sensação de que todos os anos formadores da minha pessoa adulta foram um desperdício, de que eles renderam apenas narrativas fictícias para esboçar uma existência.

Paul Gauguin - Jacó e o Anjo

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