"Não há nada que eu não faria para aqueles que são realmente meus
amigos. Eu não tenho nenhuma noção de amar as pessoas pela metade, não é a
minha natureza.”
― Jane Austen, Northanger Abbey
Em Ping Pong, a vitória não é romanceada. Uma sensação de mobilidade
contínua afasta essas meras dicotomias de “quem perde ou quem ganha”. É como se
a repetição dos confrontos não necessariamente transformasse as pessoas em
entidades melhores, mas uma sensação de mutação constante sobre como agimos.
Não é um fim objetivo; tudo termina e recomeça e não temos muito tempo para
raciocínios lógicos (como em uma partida!). Deixa a impressão nítida de que
todas as vitórias serão desfeitas, todo treinamento resultará em algo concreto
e todas as outras possibilidades afrontadas pela perpetuação do real. Mas em
cada retorno existe a transformação. Colocados sob pressão e racionalizações
instituídas, esses regressos representam o que evoluímos, mas também um aspecto
adjacente do nível de evolução que poderíamos atingir.
Ping Pong aborda o modo cruel que “as forças que operam em nossas
vidas” são cinicamente distribuídas. Temas como; talento, esforço, disciplina e
seriedade, operam dentro de cada indivíduo, e até que ponto um supera o outro é
muito incerto. Principalmente quando de fato fazemos muito pouco do que desejamos. A namorada de Kazama diz, “seu pai tinha muita sorte
em fazer o que queria”- este que não sabemos se suicidou-se ou se morreu em um
acidente. Os paradoxos se destacam em Ping
Pong. Há o menino que tem a certeza que vai ser campeão mundial e joga
simplesmente para se divertir (Peco), Smile
que via no tênis de mesa sua única escapatória para sorrir de verdade (e que
vai perdendo isso com a idade, até seu apelido- sorriso- fazer completamente
sentido inversamente), e não se sabe exatamente quais forças motoras que
determinam quem é o “melhor” no jogo e, obviamente, na vida.
O fracasso é um tema recorrente
da série. Na verdade, de todos aqueles garotos, apenas Peco prossegue carreira.
São divisões muito tênues que nos caracteriza como indivíduos únicos lançados
no mundo e é isso que Ping Pong busca
acentuar. “Você é tudo o que você tenta ser até chegar a seus limites”. No
primeiro episódio, alguém diz, “sempre há alguém melhor que você”. O show
ratifica esse bordão, ainda fortalecendo, “do seu lado há alguém melhor que
você, mais inteligente, esteticamente mais aceito”. A noção do próprio fracasso
é fundamental. Mas tudo isso se restringirmo-nos às convenções sociais! A série
também exalta que é um mundo repleto de possibilidades- quando o exilado chinês
descobre que talvez o Japão seja realmente seu novo lar. Não é viver sem dor. É
viver apesar de. É viver carregando todos os fardos que um dia pareceram
impossíveis com a certeza preponderante de estar se fazendo o melhor possível.
É sobre acreditar nas pessoas.
Ter empatia pelos seus limites. A dor é o que nos une. Por mais que alguém
sonha, sempre vai ser impossível se ausentar da competição que o comportamento
neoliberal estimular. Mas, então, o que fazer? Reconhecer as fontes de prazeres
genuínos nesse caos.
Em cada prazer também há
tangencialmente uma fonte de fracasso esperando. Mas não deveríamos ter medo de
cair porque o sangue prova que estamos vivos. O chinês Wenge, que inicialmente odiava o Japão, perde e é obrigado a passar
algum tempo com seus companheiros de equipe, e acaba se transformando num
mentor da equipe, esta que genuinamente o admira. Um mundo de possibilidades
anteriormente impensadas se abre quando observamos a ótica mais vasta do
universo. Trata-se de ver além do que fomos projetados e, também, além de
sonhos que alimentávamos- talvez por ingenuidade, por teimosia ou pensamentos
unilaterais- para encontrar pequenas brechas na existência que nos estimulem.
Em Ping Pong, pessoas que inicialmente se viam apenas como oponentes e
adversários aos poucos vão compreendendo suas similaridades e que são parte de
um todo. Esses antigos inimigos adquirem empatia pelos seus próximos e deixam
de vê-los como simples obstáculos, mas como seres humanos. Na partida entre
Peco e Kazuma, este último começa a
perceber o que Smile vinha em tanto
tempo aguardando. Ao passo que a animação se desenvolve e a “vitória final” vai
parecendo cada vez mais como um conceito infantil e simplista, nós nos
deparamos com um desenvolvimento tremendo das personagens no que se refere à
autoconsciência. Nesses termos, a estética de Ping Pong se parece muito com seu enredo- animações aparentemente
pictóricas e desleixadas que vão adquirindo vida no desenvolvimento da trama.
Peco é o herói de Ping Pong e representa tudo o que a
série quer dizer. Não porque ele não falha. Ele é o ídolo porque apesar de tudo
o que acontece com ele, nenhuma queda e nenhuma derrota vai destruir o amor
incondicional que ele tem pelo jogo. Ele “zomba” dos outros, não por se sentir
superior, mas ele simplesmente deseja que as outras pessoas “voem nas mesmas
alturas”. Porque o tempo voa quando estamos nos divertindo. Podemos voar com
essa diversão também. Peco ensina, principalmente, Kazama e Smile de que todos os limites impostos surgem de nós. Nada
precisa ser tão frio e o esforço não vale tanto se não há prazer. Precisamos
repensar em nossa relação diante do que enxergamos como “dificuldade”.
Precisamos encontrar as possibilidades ocultas e admirar o que é intrínseco em
cada entidade.
Os pássaros podem voar. E embora
nós não tenhamos essa facilidade, é nossa obrigação mirar o céu. E cair e
levantar quantas vezes conseguirmos. E ter prazer em todas essas tentativas.
Peco arriscou, ele era o pássaro preso na jaula, que surgia em certas tomadas
em alguns episódios. Já dizia o Campbell Trio, “The day is coming, don't be afraid, and we all will be back to life.”. Ping
Pong mostra os possíveis caminhos para esse retorno- amor incondicional,
prazer em ensinar, alegria ao cuidar de flores. Estamos todos vivos porque há o
gosto de sangue na boca. Ping Pong se
estabelece no que podemos construir ao nosso redor. Porque os acontecimentos
certamente serão bem desconfortáveis, mas já estamos lançados na existência e o
aborrecimento é algo inerente. Algumas pessoas desenvolvem resiliência, outras continuam
caminhando por aí até encontrar alguma paisagem que justifique a errância,
outros ficam fechados em seu mundo e ali vão perecer. Das poucas pistas que a
vida deixa, o que podemos concluir é que um sentido instituído ela nunca vai
apresentar. Depende de nossa capacidade. Não a competência para vencer, mas a
coragem para cair e beber o próprio sangue.
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