Foi a minha pequena morte e foi lindo. Tudo desvanecia numa mancha irrepresentável, como se o próprio tempo fosse abolido em função daquele líquido instantâneo. Eu perdi o interesse em tudo ao redor e qualquer esforço para contatar alguém parecia em vão. Fatigado de interesse, fatigado de ter que ser cênico (e não corporal!) o tempo todo. Não havia isso enquanto eu estava lá: refém da dopamina e sua urgência. Ali, eu não queria poupar nada para o Efeito Coolidge, eu queria ser a combustão e a efemeridade e se tudo terminasse no clímax eu morreria com um sorriso satisfeito. É claro que depois eu fiquei triste, é claro que depois eu olhei uma casa vazia que se esquecia da presença de outros corpos, tão habitada com meu excesso: os feijões prontos, os pães e os cafés solúveis. A mesma linha que promove a euforia é arrebentada num desgosto vulgar ao reparar nas cores tingidas das paredes se descascando, neste quarto em que eu me enfiei com esperança de triunfos através de interações grotescas e performadas.
Depois que o ato estava completo eu encarei meus pés e a onda oculta de cansaço invadiu-me e fez-me arrepender instantaneamente do que havia sido feito. Eu pedi desculpas e jurei não fazer aquilo nunca mais, eu encarei o espelho desfocado como se aquilo fosse um transe: como se o cansaço que me abatia fosse temporário, ainda que eu soubesse que nada é capaz de rasgar essa convivência. Eu convivo há anos com essa vergonha e esse arrependimento-instantâneo.
Dane-se as interações, eu pensei. Dane-se ser qualquer coisa de sociável, há vida o suficiente neste cubículo onde tenho me enfiado. O que importa é a carne e essa criatura, o que importa é a fantasia que eu criei para alimentar meu avatar, a ponto de eu não saber quem domina e quem é dominado: se os comportamentos são reféns da distância, ou se a distância que fabrica esses esboços de relacionamentos. A mesma neuroquímica que produziu todo o prazer transformou-se em arrependimento, o mesmo racionalismo -do qual no ato eu me abdico ter- cresce volumosamente depois que só resta a mesma casa silenciosa e as mesmas esperanças estúpidas de encontrar algo online. Eu já vi coisas piores e mais reais, eu já vi pessoas próximas passarem pelos desafios nos quais eu nunca encontraria forças.
Todas as coisas ridículas a serviço da auto-estima se desvanecem depois que a máscara do pseudo-prazer cai e só resta um rosto em carne viva encarando. Ser desejado, a força que isso carrega, os hábitos que isso carrega e o quanto eu me anulo em prol desse objetivo irreal. A alegria fajuta das interações, a alegria completamente metabolizada de egoísmo ao ser procurado, ao aceitar o jogo de desejo-atração. A demonstração pública de necessidade, a submissão constante do próprio desejo às avaliações completamente aleatórias elencadas em um tribunal fluído do qual tanto dependo.
Eles são outros, eles são fantasmas e eu sou uma aparição para eles. A minha webcam não responde nada. Ela só pisca e pisca até a hora de eu dormir e, mesmo nos sonhos, ser preenchido pelas próprias aparências tão distantes de mim, tão inequivocadamente grotescas em seus aspectos sóbrios de onipresença. Redes extensas conectadas pelo consumo da falácia e da exposição, das fotos quadradas e redondas e da eterna vegetação no simbólico.
Eu vou tentar não ser tão duro comigo mesmo e pensar que isso acontece com todos.
Small Pleasures, 1913 - Wassily Kandinsky |
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