Eu olhei em volta e não havia som. Eu tinha saído mais cedo da faculdade naquele dia dedicado a ver um show duns amigos e quando fui ao local não havia realmente ninguém por lá. Eu leveis alguns bons meses para acreditar que aquilo era uma "pegadinha" destes supostos "amigos" e que eu estar lá, naquele lugar tão distante que eu tinha chegado através dum ônibus e um metrô e demorado quase duas horas, era uma mera brincadeira de jovens.
Eu deveria ter cansado de agir como um idiota mas mesmo assim eu continuei indo às festas e às Assembleias Ambientais ou Congressos Nacionais de qualquer coisa mas era como se eu carregasse aquele vácuo -do dia em que me pregaram a peça- e aquela solidão concreta me acompanhasse por tudo quanto é canto. Eu vi a banda tocar algumas vezes e eles nem eram tão ruins mas impressionante que a imagem dum local fechado sem ninguém na porta vinha à tona sempre que o primeiro acorde começava. Eu me pergunto se era só comigo ou se quando eles me viam eles riam internamente e coisa e tal.
Eu entrava no trabalho muito cedo e chegava da faculdade depois das 00:00 h (horário de Brasília) e as bolsas embaixo dos meus olhos começaram a adquirir uma semi-vida de modo que eu não conseguia diferenciar muito bem o deslocamento que sentia perto da "galera" dum cansaço. Talvez se eu dormisse mais de quatro horas e meia por noite eu me sentiria de boa com aquelas piadas e risse da mesma forma escandalosa que eles riam - e enchesse a sala vazia de ecos destas gargalhadas.
Eu quis testar rim e estômago para ver se eu podia competir de alguma forma mais física e concreta com a preponderância dos engajamentos. Eu abusei de quantidades significativas de álcool e vi até que minhas atitudes provocavam risos e embora noutro dia tinha que aguentar minha cabeça latejando, a lembrança de nuances de risadas e tons de momentos verdadeiramente alegres foram criando corpo para automatizar minha necessidade de ingerir álcool em situações específicas. Não beber estava absolutamente fora da equação.
Banda Remo Drive |
Quando eu voltava para casa, às vezes, eu percebia que aqueles excessos desmedidos eram tentativas desesperadas de frear bruscamente a aceleração do deslocamento. Não era nada realmente racional, eu não queria passar mal nem preocupar alguém nem dar vexame. Simplesmente acontecia e, como eu não sabia parar duma vez, eu não tinha controle de qualquer linha imaginária de quando chegava meu limite.
A insegurança tomava conta de cada linha do meu corpo mas eu não queria parar pois o medo de estar novamente tão sozinho quanto estava aos 15 impedia qualquer lucidez. Eu estava com um amigo voltando duma festa qualquer em Santo André e os dois estávamos meio alto e ele dirigia e eu não sei que raios aconteceu que o carro capotou e virou de lado na rua e de repente tinha alguém quebrando o vidro e me puxando para fora daquilo. Eu chorei e fui parar no hospital.
Eu deitei no chão gelado do meu quarto encarando o teto-branco-imóvel tentando resfriar a cabeça e só passar o tempo. Minha mente seguia por vias distraídas e ela há muito havia parado de tentar compreender. Eu enganava pessoas com piadas e me enganava com o riso delas do lado de fora da Faculdade. Aos sábados as aulas eram à tarde e eu achava o sol batendo na folhagem duma árvore gigantesca bem impressivo e disse isso para Gustavo, no que ele deu uma risada do tipo "eu não estou rindo de você sei que você foi irônico" e eu tentaria veementemente negar sua suposição mas já tinha feito alguém rir então estava tudo bem. Sabe, dar pra levar e coisa e tal.
"eu não quero mais ficar aqui".
O Vitor me olhou e disse "daqui a pouco a gente vai". O barulho alto fez ele ter que repetir gritando enquanto a festa da faculdade provocava trombamentos incidentais, bocas se beijando e uma injeção considerável de álcool e baseado. Eu fui embora com a ideia de sair para sempre e é lógico que uma semana depois eu estaria na mesma situação. "É só o fluxo da vida Henrique ele é maior que você" emprestando estas demagógicas construções de naturalidade para explicar porque eu era arrebatado imprudentemente pela maioria da Turma.
Remo Drive - Art School |
Eu autodiagnosticava todos meus problemas. Eu não falava nada para ninguém porque nem sabia como começar a falar tipo "eu to odiando isso tudo eu quero simplesmente sair daqui" e era mas fácil e preguiçoso deixar tudo do jeito que estava. Carregando todo o estresse sem saber que era depressão e atribuindo apatia na conta do cansaço de modo que cada vez que eu tava "esquisito" eu criava uma solução que solucionava a equação. Eu nem sabia o que era Fluoxetina, e Engov era a única medicação que meus autodiagnósticos recomendavam e desde que eu não vomitasse sangue ou quebrasse algum membro tudo estava na naturalidade neurótica que eu criei para justificar tudo o que estava fazendo.
"quem tem dinheiro para uma outra rodada" e meu trabalho apesar de ser num horário incompatível com a faculdade pagava bem então eu falava "eu tenho". Eu dava moedas para ajudar sem-tetos a comer e achava que eu tava fazendo tudo certo. Que meus desvios eram permitidos pois, sabe, muito trabalho. Sabe, muita responsabilidade justificava eu agir irresponsavelmente. Então eu jogava fora meu dinheiro em coisas burguesas demais pois arcava com coisas demais sempre criando um paradoxo para justificar qualquer tolice. Eu era uma criança sem necessidades então recolhi emprestado todas as imposições alheias para cobrir qualquer coisa ou quem sabe algo que nem sequer existia. Eu berrava em festas coisas clichês e todo mundo ria e eu me sentia bem e eu não duvidava da autenticidade de nada.
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