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sábado, 11 de janeiro de 2014

César Aira (Como Me Tornei Freira, A costureira e o Vento,2013)- A transmutação passiva.

Lendo-se literatura genuína, no entanto, não se adquire nada além de cultura literária, a mais inofensiva de todas.”

Eu tive que sair da minha zona de conforto, no que se refere às preferências estéticas, para ler os primeiros capítulos desse livro do escritor argentino. Na verdade, o que aparece como discurso do autor é a constante metamorfose (tanto das palavras como das personagens). Aira observa o efeito das mudanças bruscas e como isto espelha nosso comportamento.

Uma leitura desse livro é como testemunhar o ciclo deformado que a memória impõe à História. A narradora, às vezes narrador, apresenta as dificuldades de uma criança sob um prisma originalíssimo, pode-se falar que o universo infantil e sua imaginação infinita nunca foram tratados de forma tão madura, inclusive no tocante à linguagem. Talvez esse jogo labiríntico criado por Aira dê conta da complexidade de interpretação relativa a uma criança em um mundo com códigos tão quebrados.

O possível surrealismo da obra só existe porque suas múltiplas possibilidades parecem insuportáveis para nós, meros leitores- cada frase gera um desdobramento. Com uma linguagem tão poética mesmo no universo instável (e inexistente?) da protagonista, sua prosa tem muito de poetas como Paul Valery e surrealistas como Michel Leiris. A sofisticação da linguagem não afasta o leitor faminto por uma boa leitura, mesmo com signos tão confusos temos o relato de ausências. Originalíssimo, a literatura de Aira tem que ser descoberta!

O autentico formato do texto é conduzido por uma garota de seis anos que não nos é apresentada- no livro só compartilhamos da subjetividade desta. Óbvio que a leitura exigirá alguma atenção, pois a estética é trabalhada toda em cima da incerteza e perspectivas. O que não implica que Aira se destaque apenas por um novo tipo de abordagem. Seu texto é simples e direto, ao mesmo tempo em que suas reflexões ganham força por tão sinceras e bem escritas que são.

As lembranças puxam uma às outras e de repente é criado um bloco vivo de associações livres que contam a infância da narradora. Tudo com uma linguagem simples, ao mesmo tempo em que se aprofunda no psicológico da protagonista. Aira é um grande criador de frases- irrompendo orações que se apresentam muito fluídas abarcando criativas associações.

A literatura de Aira revela pensamentos escondidos, sonhos, paradoxos. Com a sensação constante de estar imerso em um pesadelo sádico irônico. Em meio essa realidade distante (no ponto de vista da narradora), o que resta é criar sistemas de interações para fixar um sentido, o problema é que muitas vezes este reside na banalidade. A obra revela definitivamente o subconsciente, explica com exemplos ao invés de monólogos dispersos. São autores assim que renovam a literatura, deixando claro que há muitos pontos que ainda não foram explorados.

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