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terça-feira, 26 de dezembro de 2017

A fé de Thomas More em Utopia

A crença de Thomas More na força do ser humano persiste por mais de 500 anos numa época em que a fé é encarada com deboche.



"O homem, afirmam, está unido ao homem de uma maneira mais íntima e mais forte pelo coração e pela caridade do que pelas palavras e protocolos"

O que é a Utopia, essa palavra mal usada? O mundo imaginado por Thomas More era a representação da sua vontade em relação à extinção dos problemas sociais. Grande exemplo do humanismo, o autor teria sua cabeça decapitada por ordem do rei Henrique VIII. A crença no ser humano parece irônica quando não houve irmandade em relação aos supostos crimes que More pagou com a vida.

Os utopianos, cidadãos da ilha de Utopia, não acreditavam em tratados- pois estes colocavam os Estados acima dos seres humanos, causando a separação. As brigas são causadas pela distância, pela impossibilidade do reconhecimento do outro. Trancados em sua riqueza e em sua torre de marfim, não é de se duvidar que tal empatia cognitiva inexista em poderosos como Henrique VIII. 

O gosto pelo ser humano não impediu a sentença de morte que , no caso, foi recusar-se a prestar juramento religioso ao rei (ainda que More fosse ardoroso católico) e reconhecer o poderoso como figura maior no âmbito da fé.

Perceba que o humanismo demonstrado por Thomas More tem como forte causa de identificação o sentimento religioso, sendo sua fé tão intensa que se recusou a fazer uma espécie de "empréstimo espiritual" por acreditar na existência divina de forma inabalável. Acreditar sinceramente na força da razão e se defrontar com um mundo concreto em decomposição foi, provavelmente, seu maior teste de fé- não em Deus, mas na grandeza compartilhada na qual ele profundamente confiava.

O sistema político perfeito
No caso do livro Utopia, essa fé mostrou-se inabalável quando o autor atacou a "licença moral" promovida por Maquiável ao evidenciar que há outro mundo além deste corrompido. More, que exerceu diversas ocupações (desde advocacia à diplomacia), destacou-se ao avaliar a falta da empatia como marca de uma sociedade decadente. Saindo da posição cômoda, é notável a coragem do escritor ao vislumbrar outra forma de sociedade além deste mar-de-lama.

Como alguém disposto a conduzir seus contemporâneos a acreditar que os poderosos devam agir pelo interesse coletivo, atacou duramente reis e príncipes ao dialogar diretamente com os cidadãos. A forma de Utopia (diálogos platônicos) mantém o leitor frequentemente atento às diversas conversas entrecruzadas que se opõem à narrativa central (a distribuição política da ilha Utopia), a qual constantemente cita exemplos opostos às ordens vigentes.

Rafael Hitlodeu, personagem principal, narra os fatos da ilha e explicita sua não vontade em participar de nenhum tipo de governo que não seja o de Utopia. Essa renúncia de Rafael, no entanto, não é compartilhada por More em sua vida privada. Para mudar o mundo e torná-lo um lugar melhor, é necessário negar o jogo sujo e a hipocrisia do "bem maior" e enfrentar as consequências de uma sociedade a qual você mesmo condena. O que é exatamente o contrário do loteamento estatal promovido pelos nossos governos desde as primeiras eleições diretas (com raríssimas exceções).

Se ,para Rafael Hitlodeu, a renúncia à configuração social é algo impossível após testemunhar a perfeição de Utopia, para Thomas More -cuja fé no ser humano não o deixa ser imparcial perante o jogo político- desistir foi algo impossível. A hipótese de deixar se submeter é proteger as falhas estruturais da sociedade. O fato de existirem pouquíssimas leis na ilha de Utopia (e a consequente ausência da classe de advogados) faz com que a concepção de More a respeito do sistema judicial seja evidente.

O símbolo da decadência social talvez seja a quantidade de leis que uma sociedade compõe. O não conhecimento das leis ,para Thomas More, não reflete a suposta ignorância do povo, mas é o hermetismo das sentenças judiciais que o deixa sem palavras, sem condições de defesa. A consciência da existência de uma linguagem tão complicada não erradica o problema. Para tanto, a alternativa do autor ao criar uma sociedade com campo jurídico inexistente. A sugestão de More pela abolição das leis e da sociedade privada constituem a crença no ser humano sem adornos, preocupado com coisas mais notáveis e não submetido às aparências desprezíveis (ouro, vaidade, distinção etc.).

Há ,por trás dessas críticas, a urgência da necessidade de uma reconstrução da divisão dos bens em prol da diminuição da desigualdade. Na Utopia, a livre crença na alma humana não se imortaliza apenas por sentimentos religiosos, mas pela fé na vida em todas as suas manifestações tanto espirituais quanto sociopolíticas.

Na ilha de Utopia, o valor do ouro é ínfimo porque não tem funcionalidade específica para a sociedade (ao contrário do ferro, por exemplo). Descobrir as coisas realmente valiosas talvez seja uma das empreitadas mais corajosas de More. A potência da humanidade está oculta, embaixo do véu do abstrato (paradoxalmente real) como o ouro, a guerra etc. A trágica situação política, os projetos dos colonizadores (em uma linguagem do século XXI: as instituições neoliberais) e o horror da miséria são ferramentas de manutenção desse encobrimento.

Uma nação tem como problema a carência de imaginar um projeto utópico alternativo, o que a impede de sair da asfixia do mercado, o que a impede de atender necessidades elementares. Desenhar a imagem de um país que "pode ser" e que "deve ser" trata, para More, de um gênero humano novo. A política momentânea é deixada de lado para o "pensamento da eternidade" (a utopia política de Guimarães Rosas, quatrocentos anos depois). Utopia é o projeto político de romper com essa merda, com a fome, com o desemprego e com o descaso das instituições canônicas. A experiência das ocupações de terra no Brasil, o esboço criativo antevisto por Rosa e a luta pela reforma agrária cabem no projeto impossível do escritor inglês.

A criação do movimento utópico, a partir da incorporação pragmática dos ideais de More, dirige o Estado a uma ideia coletiva de riqueza cultural, cuja experiência teórica continua a fundamentar os diálogos entre os mais diferentes campos sociais.

Período Anormal
O povão brasileiro necessita de uma abordagem intelectual que tenha um projeto dialogante com suas necessidades e urgências. Parece que as propagandas conversam mais com nossos cidadãos do que qualquer esboço de projeção acadêmica.

A dúvida do narrador de Utopia se o livro deveria ser publicado é fundamentada no quanto a obra realmente tinha a dizer para as pessoas. Há, até mesmo, o receio de os "juízos absurdos" de outrem. As pessoas não conheciam e tinha medo da literatura (o que não é diferente do contemporâneo. Se, mais de quinhentos anos depois, esse medo persiste, vale questionar de quem é a responsabilidade).

Ser condenado ao silêncio ou à morte? More não teve dúvidas. A derrocada humanista é conferida no que os quinhentos anos posteriores ao livro trouxe à humanidade. O argumento de More se mostra como uma tímida fagulha no escuro em um imenso campo neoliberal, cuja fundamentação insiste no papel cada vez menor do Estado nas esferas sociais.

More não necessariamente via uma representação democrática como bom papel para reparar os equívocos destrutivos forçados pelo poder. Segundo ele, a representatividade popular de um bom político se dá a partir de um redimensionamento do papel dos governantes na ordem social (rebatendo, mais uma vez, Maquiável). Aí está a vigilância espontânea que erradicaria a miséria, o silenciamento popular etc.

A fundação da humanidade, portanto, passa pelo bombardeio da condição de governáveis àquela de possibilidades incríveis, em que uma nação está apta a realizar suas potencialidades.

More deu muito a mundo por crer na condição humana.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

As tonalidades do Brasil ("Que você é esse?", de Antonio Risério)

"Que você é esse?", de Antonio Risério, ratifica a história da miscigenação do Brasil sob a perspectiva de um tempo, paralelamente, obscuro e esperançoso.



"Se um dia eu resolver dar um tiro na cabeça, podem ter certeza de que não será na minha"

O que é a escrita de um povo, contar suas histórias, a não ser um esforço de atribuir a maravilha da ficção a uma meio técnico, pouco maleável como o historicismo rígido?

Desde o primeiro "conto" do livro (não entendam mal, é um romance) se guarda uma tentativa de encontro sob a luz da miscigenação que se descobria possível e era, como é hoje, interrompida por ordens hegemônicas. Um "diário histórico" inaugura-se a partir desse conto: cheiro de matas, comidas específicas, rios, rituais religiosos.

Um caderno temporal ganha vida no segundo capítulo, em que a história avança mais de 500 anos e estamos no tempo presente, descobrindo que o primeiro conto é -na verdade- uma escrita do protagonista real do romance. Risério é um dos autores que pegam o que muitos atribuem ao romance pós-moderno e deixa claro que, além de todas descrições sensoriais, o livro também dialoga com o fazer literário: "meta literatura". "Que você é esse?" é composto por dois eixos que se entrecruzarão até o fim do romance alternando entre a história da formação brasileira, nunca sob o ponto de vista pragmático, e as pessoas que vivem ao redor do protagonista, que podem ser rotuladas com a imprecisa alcunha de "intelectuais". Em "Que você é esse?" o narrador escreve sobre um país numa carta de amor disposta às maiores expressões de beleza que residem atrás da totalitária opressão histórica.

Daniel Kertzman, o protagonista, enumera sua história e a relaciona com várias passagens de formação importante para o país nos últimos 50 anos. As distâncias entre os eixos temporais apresentam sua diferenças óbvias, entretanto o que mais chama a atenção é o desejo simbólico que as une já que são, teoricamente, tão divergentes. A história se repete, a seu modo. Quando o enredo segue alguma cronologia, é narrado como as sociedades judaicas se organizaram no Brasil, especialmente na Bahia. No presente em que se escreve, as personagens encontram-se transitando e mudando de posições políticas e afinidades artísticas (mutáveis como a figura do camaleão que inicia e encerra o livro). É uma época em que não é possível ficar restrito a um nicho identitário e a abertura a outras perspectivas é um movimento constante, como ocorreu em toda formação geoespacial brasileira. A dor dilacerante dessas mudanças já foi (e continua sendo) insistentemente reclamada, mas esse é o mesmo processo que fez com que, por exemplo, judeus de classe-médias aderissem ao candomblé.

Depravação aristocrata
Se a ponta da formação histórica do Brasil é narrada com altas doses de violência e erotismo que são raros em livros históricos tradicionais, a história contemporânea humoriza -não sem certa tristeza e ironia- a depravação de nossa elite política e empresarial (que se mostram, praticamente, a mesma) tal qual a aristocracia pequeno-burguesa de outra época. O que chega ao leitor é a ressurreição de nossos antepassados fantasiados em momentos-chaves, seja no presente mais recente ou na luta armada contra a ditadura militar. A leitura que se segue é a marcada em carne-viva sobre os efeitos coloniais e pós-coloniais, em um lapso temporal que diz justamente sobre as próximas eleições, sobre os movimentos urbanos (ONGs, manifestações etc.) e a capacidade de absorção de diversas frentes. Reivindicações e reinvenções são liberdades capazes de refazer a história, em que princípios antigos se mostram necessários para abolir a moral vigente sobre a qual os privilégios se perpetuam.

O protagonista passa pela infância, fase adulta e chega à chamada terceira-idade com mais vigor do que nunca. Isso porque ele soube que o camaleonismo é a herança principal do brasileiro, a qual traz todas as vantagens e desvantagens em um país no qual o privilégio de classe define a distribuição de cargos econômicos e de posições sociais.

Como numa antologia sobre  a história de nosso país em uma perspectiva individual, as transgressões e manchas de violência (física e econômica, já que estão quase sempre casadas) organizam a construção desordenada do Brasil. Assim, torna-se nítida a claridade desses pontos em comum, que horizontalizam a visão hegemônica sobre o país em desespero individuais e grupais, mas encarnando esperança e possibilidades utópicas. Dessa maneira, a conscientização passa pela narrativa comum - que é, ela mesma e sem truques mirabolantes, a heresia que sempre foi inerente à população brasileira. Mas, mesmo nesses casos, a desorganização é um fator latente- o que permite às campanhas eleitorais, pormenorizadas devido a presença de Risério na campanha a favor de Dilma, fragmentarem a sociedade sob o discurso da multiplicidade, tornando tudo moeda de troca para voto e garantias de favores.

Há uma crítica feita ao livro sobre os "exageros eróticos" em ambos os tempos narrativos, mas "Que você é esse?" é um romance de exageros que mostram a distinção de cada momento e a forma como o fator "desejo" governa o ser humano há séculos. Assumir isso como um "risco" ou "desvio narrativo" é retirar do livro sua personalidade mais forte- além de sua boa prosa. A intenção do autor não é "retirar as personagens femininas das rédeas do patriarcado", mas lidar com o desejo como fator alternativo às instabilidades políticas e ideológicas. Ver "pornografia narrativa" como exemplo contrário de sutileza é sobrevalorizar o ato sexual, como se apenas outros tópicos fossem válidos de repetição. O livro seria reacionário se recusasse o barroquismo apenas em uma de suas vertentes.

Portanto, a narrativa não se torna totalitária nem busca abarcar toda uma espécie - mas esculpe uma linhagem de "espírito coletivo" que atravessa a formação sociocultural brasileira. Logo, a necessidade do romance abordar as mais distintas regiões brasileiras e narrar episódios poucos contados pelo historicismo hegemônico (a libertação da Bahia, por exemplo).

Para não se limitar a redução do que a ficção pode ou não falar, Risério optou por formas de reapresentar a eclosão multiétnica que atravessou a formação cultural brasileira, para reivindicar o pluralismo que é ameaçado sempre por forças contrárias aos consensos coletivos- seja por interesses financeiros, políticos ou religiosos. Em relação aos personagens-autores que se esforçam para criar uma obra "de valor" no Brasil contemporâneo: são cidadãos que entendem como questão política e urbana são indissociáveis para auto-organizar a sociedade. Ao mesmo tempo, isso não é opção estética- mas uma forma de compreender o que, erroneamente, é atribuído como "brasileirismo" enquanto fenômeno sempre camaleônico. Também se destaca o fato de Daniel Kertzman dar enfase à literatura na parte final de sua vida, como modo de preparação de um futuro que já acontece.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

a recusa essencial (Ruins Of Beverast- Exuvia)


as florestas da Terra não deveriam me assustar. O que me assusta é a luz, na verdade. A luz deixa-me visível e à mercê do olhar alheio e eu tenho vergonha do olhar alheio. Um olhar substancial, que provoca um exibicionismo macabro, que contorce minha mente em especulações subordinadas à tortura do intelecto. Todas essas visões que movem cortinas na sala-de-estar, o modo imperativo que o mundo impõe seus símbolos são destituições nucleares que destroçam os átomos na instância do presente, tornando tudo uma nostalgia imediata. A capacidade do mundo em oferecer nostalgia-expressa alavancada pelo avanço tecnológico, pela possibilidade da troca instantânea de dados. Nessa velocidade fica a minha sombra, a sombra violável pelo satanismo da luz. A sombra que sabe em quais colunas de concreto devo-me esconder, observando pessoas mais importantes guiando pessoas ainda mais importantes na esfera do mundo administrado. O mundo impossível. E tudo é pó, tudo retorna de maneira alquímica. Eu anseio este dia vindouro: em que todos os mortos celebrarão o retorno essencial. O único retorno que fez sentido sob a devastação diária solar. A devastação que são os diálogos, as corridas, o desespero contra os números e a vergonha. A vergonha numérica, a vergonha medida, a vergonha objetiva experimentada em desmedidas. É tão vívida a imagem de Betel olhando-me com ódio & rancor. A imagem veio de um sonho. Mas eu posso imaginar que Betel sentiu exatamente isso quando decidiu excluir-me do seu ciclo. A exclusão essencial, no entanto, ela não conseguiu estabelecer. Ela só aderiu à exclusão personalizada em cliques e boatos. Mas não conseguiu apagar o fato de que mais de um ano depois de nossa última conversa ela estaria presente, clandestinamente, no meu sonho. Impedindo-me que eu embarcasse para o Japão enquanto recusava, de maneira nada polida, meu bom-dia.

na prisão que é o sonho porque sonhar não liberta. Sonhar é o irracional em sua potência máxima, encerrando potencialidades racionais. Depois que tudo passou e mais de um ano segmentou o caminho absurdamente diferente que tomamos, será que ainda pensamos em formas de defender e atacar? Será que ainda gostamos das mesmas bandas ruins e será que não estamos aferrados a gostos anteriores para tentar preservar o pouco de nós que ainda podemos controlar? São questões que se põem como armadilhas sem respostas. São questões que ficarão vazias durante anos até um de nós ser atormentado por um sonho que remeta a um passado tão antigo enquanto presente inexistente.

Johannes Vermeer -Het melkmeisje

sonhos que queimam nosso pensamento transformam-se em ficção do cotidiano. Um método cíclico de organizar esses estilhaços que compõem o espelho desfigurado que somos. E só refletimos o teatro do outro. Então fazemos assim: ninguém foi pior que ninguém, você precisou de sua ficção como eu precisei de minha mentira e dessas palavras que se esforçam para serem algo além de vazias. Porque foi muito recentemente que eu aprendi que quase todas as palavras as quais eu mais me aferrava não traziam nada consigo além de banalidade autoexplicativa.

foi preciso que meus olhos se tornassem nuvens nubladas e na distância que Lavras parece ter com todas as outras cidades do Universo eu visse a fragilidade de nossos elos forjados. Eu ouvisse cânticos antigos embalados pela prepotência da vontade de pertencer a algo e por isso me esforcei com textos quase diários sobre o deslocamento na espera de que a produção incessante criasse algo tão inútil quanto amizade.

o mapa morto que é essa cidade: as casas de barro sem coloração emprestando aos enormes sobrados construídos a lembrança de que ainda se trata dum país de terceiro mundo, de que você pode tentar constituir arquitetonicamente o visual que quiser e, ainda assim, não vai escapar do fardo carnal que é seu pertencimento. Nesta cidade não há mar e as cachoeiras são distantes. Minha vizinha, que pinta a unha da minha mãe em troca dos perfumes que esta vende, nunca viu o mar. O mar mais perto daqui é da praia de Ubatuba. Ubatuba é uma praia intangível: tudo lá é caro e o provincianismo globalizado de alta-renda conseguiu até transformar a paisagem em um visual artificial. Em um ponto morto para quem nunca ultrapassou os limites lavrenses

Big Little Lies, de David E. Kelley
eu deveria nunca mais descansar aqui. Nunca mais atribuir qualquer estupidez interna a essa enorme indiferença diante da qual me deparo. E se eu te dissesse que aqui é o ponto-limítrofe? E se eu dissesse que essa espécie de ficção formada por qualquer pretenso "nós mesmos" estivesse, sempre, na beira de um estilhaço de um mundo mal-resolvido. Um mundo cuja beleza negou nossa entrada total. Um mundo exibicionista cuja principal construção poética é a aparência do efêmero. Porque até mesmo esta ideia pretensiosa de efemeridade é uma tentativa de poetizar o que é só aparência. O que nem tem densidade o suficiente para se caracterizar como efêmero ou qualquer outra atribuição tola que discorra sobre nossa fragilidade ao nomear tudo que é impossível. Nesta escala necrótica os dias têm passado: impressionado com o barulho da urina, impressionado com o prazer de umas coisas nada a ver, tipo depilar-se. Tipo ouvir a teimosia da água do chuveiro tentando acobertar o doom metal que sai do meu celular. Como se essa junção específica da arte (por falta de um substantivo melhor) pudesse erradicar a perdição do meu cotidiano.

como se essa concentração em tentar definir a distância fosse erradicar esta falta de ar

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

até seus sentidos ressuscitarem (para Grant Hart)

A pele começa a perder o vigor e o espelho demonstra essa decomposição melhor que qualquer coisa. Quando A. ficou viúva, ela tremia toda ao lembrar-se do ex-marido. Eu conheci ela no metrô, porque eu estava como minha camiseta do Husker Du preta e ela falou que gostava da banda. De primeira, eu não consigo escutar, pois estava com os fones de ouvido. De alguma forma, aquilo virou amizade e ela confessou-me que, desde a morte do seu antigo esposo, ouvia Everything Falls Apart religiosamente- todas as noites, não importa as horas em que chegava em casa. Na primeira vez que fui à sua casa, reparei que havia vários  vasos de flores espalhados meio que atropeladamente pelos aposentos. Ela confessou que sentia que todos seus sentidos pareciam mortos pós-falecimento. Eu engoli seco. O que eu poderia dizer? "você sabe, ele era a única pessoa no mundo que me conhecia de verdade. Eu ouço Husker Du e, de cara, lembro do seu sorriso quando falava que aquela era a melhor banda do mundo. Eu não gostava, pra falar a verdade. Só fui gostar depois que ele morreu". No avançar de nossa amizade, ela perguntou se eu me sentia usado por ela, porque -segunda ela- A. apenas falava sobre seu ex-mariado e coisa e tal. Eu respondi, meio que brincando, "até seus sentidos ressuscitarem você tem de falar dele!".

Estava frio em São Paulo e era segunda-feira à noite enquanto eu, quase congelado, esperava no bar que havíamos combinado de nos encontrar. Ela estava, +-, meia hora atrasada. Não bastasse o Frio, começou a Chover e minha paciência esgotou-se. Eu não me esqueço de um mendigo tomando aquela Chuva toda, passando Frio e ainda assim cantando alguma música com uma latinha de sabe-se-lá-o-que na mão. Quando A. chegou, ela pediu desculpas e disse que estava meio que dissolvendo-se. Estava deprimida e poucas coisas vinham ajudando-a e eu era uma delas. Confesso que meu ego deu uma esboçada, mas o pesar por ver um rosto tão jovem sofrendo não compensava nenhum filete de alegria. Agora, o mendigo pensava ser um arqueiro e atirava suas flechas invisíveis nos transeuntes de guardas-chuva. Ao entrarmos no bar, ela pediu um X-Egg e finalizou-o enquanto dividíamos um litrão. "Comer ajuda a ressuscitar meus sentidos", ela brincou e, um tempo depois, mostrou-me uma carta que tinha escrito para o falecido marido- que era mais ou menos assim: "tá difícil sem você. Você é o único que me conheceu de verdade. Eu ouço seu disco favorito todo dia, será que você percebe? Eu estou usando todos os materiais que eram seus para ter você mais um pouco comigo" e coisa e tal.


Ela disse que era sensível demais para morar onde seu marido passara seus últimos anos e precisava de mudar-se porque não aguentava o peso das coisas. "se é assim que você quer viver, eu apoio você", não tinha mais absolutamente nada que eu pudesse responder. No dia de sua mudança, fazia um céu límpido em São Paulo e eu ajudei A. a empacotar algumas coisas. Fiquei surpreendido quando ela me deu o CD do Everything Falls Apart e falou-me para guardá-lo com todo o carinho. Hoje, quando fiquei sabendo da notícia que Grant Hart havia morrido, fui desesperado procurar o CD, A.. Eu não achei e, se você ler isso, peço um milhão de desculpas. Eu vi seu inbox depois de anos sem conversarmos direito, você me falou que não conseguia ter algo sério com ninguém e que ainda pensava em Osvaldo a todo instante. Combinamos que quando você fosse a São Paulo  eu iria também para, finalmente, reencontrarmo-nos. Você pediu para eu ouvir o Everything Falls Apart assim que você também desse o play. Enquanto ouvia, lembrei-me de quando conheci pessoalmente Grant Hart e tocamos poucas palavras. E lembrei-me das histórias dele tocando em botecos decadentes pós Husker Du. Tentei imaginá-lo tendo uma morte em paz. Mas nunca se sabe, né? Aliás, é possível morrer em paz? Você respondeu que achava que não, que mesmo a pessoa mais solitária do Mundo morria deixando algo para trás. Eu falei que era legal ser seu amigo há tanto tempo, que ficara grato por tudo ter acontecido. Você disse que eu realmente a ajudei a segurar as pontas quando o Mundo desmoronava ao seu redor. Eu acho que você exagerou. Eu pensei em todas as pessoas sem as quais eu acho que não poderia viver. A bem da verdade, quando M. se matou eu pensei que ficaria dificílimo de aguentar. De alguma forma, eu aguentei. De alguma forma a gente continua vivendo, não importa quão difíceis são nossas perdas.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

puro caos- a literatura de Thomas Pynchon

“The general public has long been divided into two parts; those who think that science can do anything and those who are afraid it will.” 
― Thomas Pynchon, Mason & Dixon

Por mais de quatro décadas, desde a estréia de Thomas Pynchon em V (1963), há uma pergunta bastante básica que vem rondando sua literatura ambiciosa: há algo no Mundo que escapa dos tentáculos originados na desordem e na conspiração? Suas famosas sátiras apresentam uma debochada superfície na qual reside um Oceano analítico que ambienta o leitor no puro (e inexplicável) caos.

Toda a vasta produção crítica sobre a obra de Pynchon aborda, principalmente, a paranoia contemporânea e indivíduos lançados no caos puro da entropia pós-moderna: no bom português, um verdadeiro deus-dará em que as pessoas estão numa impositiva luta individualista sabe-se lá pelo quê, exatamente. Em Mason & Dixon (2004, no Brasil), ele explicitamente une polos distintos (o iluminismo científico e o desespero) para ambientar outra história monumental de dois indivíduos (que levam os sobrenomes do título) que têm de traçar uma linha que dividiria todos os EUA em norte e sul. É o primeiro (e único, até então) livro de Pynchon em que ele deliberadamente lida com fatos reais. Claro, nenhum tipo de historicismo científico iria intrometer-se nas fábulas do escritor: animais-falantes, fantasmas, (alienígenas?), física-quântica etc. enchem as mais de oitocentas páginas do livro em um ambiente rico e singular antes da revolução norte-americana.

No entanto, a prolixa narrativa divide-se em vários capítulos em que cada um deles conta a história a seu modo. Sob uma examinação mais aproximada, Mason & Dixon pode ser entendido como o que atualmente é proclamado "romance enciclopédico". Entre tantas coisas que o livro parece tratar, atraiu-me muito a noção de "narrativa vazia". Explico: uma vez que o desenho narrativo é moldado a partir de diferentes oralidades e modos de contar uma história Universal, a narrativa-em-si é colocada em questão não somente quanto à sua veracidade, mas quanto ao apelo popularesco que a ficção atrai no imaginário social. Afinal, o livro é todo contado a partir das memórias de um reverendo.O Vazio latente que tem visitado toda a literatura de Pynchon agora é incorporado pelo absolutismo histórico. Apesar desse incorporamento, o elemento "verdade" está mais fluído do que nunca e toda a tradição literária (desde escrituras sagradas às canções populares) é alienada pelo desespero que usualmente guia as personagens de Pynchon . Nesse sentido que o escritor recorre a uma irmandade de dois heróis históricos e, através de uma sátira digna de Dom Quixote e Sancho Pança, atribui à imortalização totalizadora o desesperado caráter humano


Além de todo o caráter que dissolve história e imortaliza o banal, Mason & Dixon é um romance sobre a morte. Para Pynchon, nenhum tema é incompatível e durante as décadas que o livro trata desfilam as mais variadas personagens dos mais inusitados aspectos: filósofos, cientistas, cristãos, nativos, astrônomos, agrimensores, escritores, reis, servos. São bem duvidosas as veracidades das histórias contadas pelo Reverendo Cherrycoke (ele quem narra as aventuras de Mason e Dixon para uma família cuja casa ele está hospedado) e intercalando sua narrativa tem-se constantes diálogos entre os membros do clã sobre os mais diferentes ângulos da epopeia narrada. Se algum escritor pode aprender algo com Thomas Pynchon é de que a literatura não deve intimidar-se com os limites impostos pela realidade e que as páginas em branco são receptáculos de uma escritura impossível, de um terreno não-sagrado em que você pode transcender a mística objetiva. Para Pynchon, esse monumental preenchimento não serve para ocultar o vazio, mas para nos darmos conta de sua vastidão perpétua e que cada fresta da realidade vela uma não-verdade cuja manipulação somente pode ser especulada. Nessa lógica, a produção artificial  (a literatura fictícia) ultrapassa o mero objetivismo realista para autenticar algo que estava oculto e que ganha vida sem perder seu caráter camuflado, mas cujo campo magnético afeta tudo ao redor (desespero, caos, depressão, teoria da conspiração, luto etc.).

Porque Mason está num luto perpétuo com a morte de Rebekah, sua ex-esposa, ele é atravessado durante todo o romance com aparições dela (se é fantasma ou realidade não me fica claro) em um surrealismo bonachão em que Pynchon não hesita em nenhum momento ao misturar melodrama sentimentalista com o mais profundo escárnio já tradicional em sua escrita. Esse constante estado-sonâmbulo de Mason assemelha-se atavicamente a Édipa Maas, protagonista de O Leilão Do Lote 49 (1993, no Brasil). Para Pynchon, o modus operandi dos EUA é justamente uma automatização absurda que exclui os paranoicos (Mason e Édipa) de qualquer contorno realizável cujo aroma persista nalgum sentido-maior. A busca incessante por conspiração é uma autoatribuição de sentido num Mundo que radicaliza e exclui o que ameaça sua constituição racional. Ainda mais: de que suas próprias figuras históricas ficaram submetidas ao fascínio pelo real que, em seus momentos íntimos mais relevantes, elas estavam simplesmente divagando por aí, sem nenhuma razão específica. Figuras bizarras são as únicas capazes de provocar um movimento significativo no Mundo, para Pynchon. Só através dessa metástase que a Natureza pode revelar-se. Os mais diferentes tipos de crenças mundanas passam por Mason & Dixon (do feng shui à gastronomia gnóstica) para interromper o movimento de mobilização completa. Sua ficção é "ao contrário": parte-se do mais banal vestígio humano para atingir uma Natureza cuja identidade jamais revelar-se-á.. Nada é capaz de deter suas personagens em suas obsessões paranoicas porque elas são as contra-engrenagens que não permitem que o Mundo caia na Luz pura.


No entanto, é apropriado lembrar-se de que a persistência -sem motivo aparente algum- dos protagonistas para traçar uma linha impossível no longuíssimo território norte-americano é o que os guia nesse mundo sinuoso de fáceis distrações. Nesta longa caminhada, observa-se a ruína objetiva de um EUA pré-revolução: venda de escravos, massacre indígena, disputas armadas por territórios etc. Talvez justamente em função desse apelo realista mais evidente do que em outros trabalhos que Pynchon denota suas personagens com um senso trágico emotivo, notadamente mais sensivelmente descritas do que as pessoas que povoam sua obra. A facilidade que o livro apresenta ao leitor dá-se através do pacto em que a realidade é a porta-de-entrada, mas toda a confabulação que verdadeiramente importa num romance é estruturada por movimentos obscuros, calculadamente inexatos.

O próprio Pynchon lembra-nos de que na vasta inexatidão há muito sobre o que se teorizar e confabular. Não apenas o orgulho de "vencer" um livro cuja linguagem vai do mais amplo eruditismo , com verdadeiras passagens experimentais, à sátira apocalíptica-, mas os desdobramentos intimistas & sentimentais condensam-se de forma que Pynchon adere um terreno único entre o sentimentalismo, a neurose, a paranoia e o caos. O argumento, usado até por Jonathan Franzen, de que sua ficção é mera hipérbole tecnicista não encontra fundamento algum ao ser deparado com a densidade investigativa de Mason & Dixon. A constatação de um vazio impenetrável não afasta o escritor do que ele julga ser seu dever: sinalizar um mundo caótico cujo processo de autodestruição iminente é, paralelamente, catalisado e interrompido pelo frenesi humano. Para mim, em linguagem simples: um vazio sobre o qual vale a pena testemunhar.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

escapar do retiro ao qual eu sempre pertenci (ostraca - last)

"não há nada mais doloroso do que saber que você machucará as pessoas" e eu tenho passado os últimos três anos praticamente em uma montanha-russa e posso te provar, empiricamente, que isso é possível. Eu posso provar sobre longas noites sozinho num quarto escuro esperando que da própria densidade da Escuridão elevar-se-ia uma espécie de salvação Mística, que pudesse dar um rumo e me ensinar a sobreviver suportando essas coisas sem, em momentos específicos, parecer tudo desabar e meu silêncio ser uma internalização enorme do quanto eu quero acabar com tudo isso. Sem pessoas próximas que auxiliem nisso e quando alguém falar em "não desapontar as pessoas próximas" eu meio que invejo, pois não compreendo, em sentido algum, como elas adquirem o campo da proximidade. De todas as vezes em que eu fiz graça de alguém, de todas as vezes que eu tirei sarro, silenciosamente, do grupo de crentes perto de casa. É como se eu tirasse sarro de grupos, só por que não tenho nada.Quando eu fui à praia, quando ainda achava que tinha amigos, eu os vi rindo de algo e eu não tinha entendido a piada, eu não entendi o primórdio para executar essas interações, eu me escondi na distância e abracei a solidão a qual fui empurrado por me contentar com muito pouco. Quem viu o meu pior ano passado sabe disso, e ainda bem que se ausentaram- ainda bem que anularam contato, pois eu teria de fazer cartas eletrônicas automáticas pedindo desculpas para uma porção de gente. Eu estou esperando a colisão então não há nada para explicar, eu estou aqui e nunca mais vou me mover. Foi por isso que decidi vir à Lavras, para não ver mais ninguém, para me contentar com o suposto ar puro interiorano e me agarrar a paisagens idílicas enquanto o amplo aspecto de isolamento devolveu o que há muito havia esquecido. Tudo o que eu fiz: o livro, as resenhas, esse blog, tudo isso foi uma tentativa -nula- de escapar do retiro ao qual eu sempre pertenci.

O veterinário ligou. O pitoco morreu e o dia horrivelmente quente ficou mais insuportável, eu signifiquei meu luto com What Sarah Said - na verdade com todo o Plans tocando- enquanto ia a Varginha prestar um concurso com sua cara de curioso estampada na Paisagem. Sempre foi você que me animou, lambendo minhas pernas quando eu chegava cansado da corrida. Sempre foi você quem me animou, correndo atrás do pano que eu balançava calculadamente longe do seu alcance.

ostraca - last

Eu encarei essa casa silenciosa muitas noites consecutivas na esperança de que seria visitado por uma grande aparição, garantindo-me coisas que, eu sei, são impossíveis. Agora no Inverno as Árvores estão drenadas, secas, sem folhas. As folhas dificultam a caminhada, às vezes, e fazem um barulho -ao serem pisoteadas ritmicamente- que eu amo já tem alguns anos. Eu precisei de algumas palavras para perceber que eu amo o crepitar das folhas. Mas acho que isto todos nós precisamos: de uma nomeação que exemplifique a essência, reduzindo, mas também sendo o único processo eficaz capaz de celebrar estar presente aqui. Cada folha tremendo com o vento, mas ainda assim se recusando a voar por aí. O amontoado de folhas ao seu redor a segura ali, involuntariamente, claro. Os jovens fazendo faculdade passam por mim, de mochilas, olhos concentrados no que o colega diz, tremendo de frio e se recusando a andar sozinho por aí. Espelhos vivos do que eu fui, espelhos vivos de um agrupamento que eu sempre invejei.

Eu quase chorei ontem, correndo, ouvindo uma música e pensando.

Pensando nas vozes honestas que passaram e eu não consegui segurar suas texturas, suas sinceridades e eloquência. Mas eu me considero insensível. Não por não conseguir prender as vozes, mas por não conseguir incluir-me em narrativa alguma, sempre adotando uma distância (involuntária), assim sendo, as coisas sempre ocorrem do meu modo.Eu sorri para uma vendedora hoje, mais cedo, quando fui ao centro porque tinha recebido uma porção de notícias ruins e precisava andar. Precisava caçar, aleatoriamente, algo capaz de prover um novo empenho Sobre o que quer que fosse.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

motivação alguma

Eu tentei dizer algo quando você chegou, mas seus olhos apontavam toda a frustração que você esconderia durante toda nossa pretensa conversa. Você estava se formando e chegava todo dia, mais ou menos, às 19:36h com uma cara cansada e uma bolha violácea no topo do dedão do pé esquerdo em função dos sapatos apertados. Você colocou uma peça clássica qualquer e se isolou no seu quarto. Aquele dia, em específico, as nuvens e os relâmpagos lá fora anunciaram uma tempestade que não esperávamos - havíamos olhado na internet a previsão do tempo - e eu não sabia o que falar para animá-lo ou sequer era possível convencê-lo a dar uma saída, pois a coisa lá fora tava feia. Mas eu juro que pensei ontem, quando você mandou a mensagem, "hei, rique, vamos sair amanhã, eu chego sete e pouco, se você quiser me esperar em casa para não pegar a pior hora do trânsito, pode ir antes, a chave tá debaixo do tapete'' e eu juro que pensei que você tava brincando, pois quem ainda punha a chave debaixo do tapete. Eu saí do meu estágio e fui direto à sua casa e você deixou um bocado de dvds pro caso de eu querer assistir a algo enquanto o esperava. Eu coloquei Melancolia, só que a cada 20 min +- você mandava uma mensagem de como odiava aquele curso, de como aquilo o consumia. Às 20 eu bati na porta e perguntei, "hei marco, tá tudo certo, a gente ainda vai sair?", você disse que sim e que só precisava tomar um banho. Eu me acalmei um pouco e sentei no seu sofá exageradamente confortável e caro. Presente do seu pai, e eu achava engraçado porque sempre que ia à sua casa você sentava-se no chão, disfarçando uma recusa ao luxo que ambos sabíamos que você não nutria (o ato de recusar, no caso). Quando você saiu do banho, você disse que estava um pouco amedrontado com os pensamentos que rondaram sua cabeça naquele dia. Que você estava exausto duma maneira que não conseguia explicar, que você se sentia completamente aniquilado internamente, que as escolhas pararam de fazer sentido há muito tempo, que não havia diferença entre ouvir um professor falar sobre anatomia e estar em um barzinho qualquer tomando uma cerveja: os sorrisos nasciam da mesma forma, eles eram endereçados a uma autossatisfação fantasiada em coisas materiais ou discursos revestidos de uma suposta intelectualidade. Em suma, nada parecia excitante e os dias prolongavam sem motivação alguma.


Eu lembro que uma vez você ligou pedindo para eu buscá-lo, caso eu estivesse por perto. Eu menti, eu estava longe, mas mesmo assim fui lá, pois não estava fazendo nada. Você perguntou como estava meu curso e eu respondi Um lixo e você viu que eu estava desanimado pra falar daquilo e esboçou mudar de assunto, mas a volta para sua casa foi atravessar São Paulo em silêncio absoluto enquanto The Glow Pt 2 tocava. A gente fez um acordo de que sempre que andássemos de carro ouviríamos aquele disco. São Paulo passava como uma paisagem morta e a gente jurou que em uns 4/5 anos +- seríamos ,ao menos, capazes de encarar a capital sem tanta desconfiança quanto ao que poderíamos ser. "estou sentindo um pouco de tontura", você disse. Eu perguntei se você havia comido alguma coisa e você respondeu que não, que havia passado o dia todo sem nada no estômago. Eu falei que pediria alguma comida e você disse que não precisava, era só tomar banho e a gente sairia. "as coisas que você disse hoje foram pesadas, cê tá bem mesmo?", "ah to, só quando eu to lá na sala quieto assistindo àquelas aulas que eu fico pensando nessas merdas e tudo fica maximizado e horroroso, cê sabe","a gente precisa, tipo, duma promessa de que, quando nos formamos, sairemos desta posição de encarar o mundo desse jeito bobo e", "ai a gente vira Artista e podemos usar essa dor do corpo como matéria-prima" e eu ri pra caramba ainda antes de chegar ao carro, e depois a gente foi dar uma volta e esquecemos daqueles problemas que nós mesmos sabíamos serem pequenos, escassos,médio-burgueses e coisa e tal.

Vivendo de miojo à miojo embora você afirmasse que seu macarrão era divino e que sabia adaptar seu molho a uma receita vegana. Você disse que aprendeu com alguma amiga em Niterói a fazer o tal molho, mas com o tempo foi aperfeiçoando-o através de pesquisas baseadas em tentativa & erro e era possível perceber uma ganância poética quando você dizia que basicamente todas as coisas consideráveis na vida eram baseadas em tentativa e erro de modo que você começava a enumerar exemplos interligando-os em complexas bifurcações, traçando teias culinárias desde a escola da Cozinha Italiana aos bolinhos portugueses. Você confessou : queria ter feito gastronomia e desvendado sabores ocultos originados de combinações improváveis. Mas essa era outra de suas piras, assim como Cinema. Você traduzia, nas horas vagas, algumas críticas da Cahiers porque queria ter algum domínio sobre a Forma." a Forma, rique, também quer dizer muitas coisas. O conteúdo sustenta o exterior, mas o inverso também é verdadeiro. As Formas insinuam coisas, constroem teorias, se debruçam sobre hipóteses. Vê bem, tentativa e erro" e você ria e eu via seus dentes perfeitamente brancos, num lapso de alegria de quem - mais do que acreditar no que diz - se diverte com o Pronunciado, como se sua oralidade fizesse jus a suas Teorias, de modo que a Forma sustentasse o conteúdo, numa troca constante. A diversidade dos assuntos contigo me contagiava, e eu esqueci das suas reclamações durante a tarde. É como se, ao chegar em casa e ligar aquela peça clássica que eu não conseguia distinguir e se isolar por uns 40 min +- no seu quarto, você se recuperasse daquela tonelada de pensamentos ruins e angústias que tomavam conta de ti durante o dia e estivesse pronto para uma rajada de divagações entrecruzadas sobre, basicamente, qualquer coisa. Era legal porque assim eu podia fingir-me inteligente e arriscar, somente contigo, devaneios que eclipsavam  - vez ou outra - na minha cabeça que pipocava idiotices. Eu procurei no celular - enquanto o carro nos levava a Augusta - algum lugar pra gente comer e você disse "rique, que tal se apenas compramos umas cervejas, pedir um pra viagem no Prime e voltarmos à minha casa para assistirmos a um filme, a gente não vai se arrepender" e eu realmente nunca me arrependia de nada que envolvesse passar algum tempo contigo, falando sobre nada e tudo.


O frio paulista afirmou sua escolha como a correta, embora qualquer frio sustasse em um bar da Augusta (ou região) porque a lotação estaria, provavelmente,cheia. Você disse que aquela região era um reduto glamourizado de sei lá o que precisamente, mas eu gostei tanto da expressão "reduto glamourizado" que fui utilizá-la no meu primeiro Livro. Hoje eu achei um livro que você me emprestou sobre Capivaras & Pinturas Rupestres enquanto arrumava a minha casa de Santo André. Eu nunca cheguei a ler o livro inteiro, mas o identifiquei como algo que exemplificava sua sede pelas coisas, sua vontade de vida. A bem da verdade, eu tentei convencê-lo de que Medicina também poderia dialogar com essa sua ânsia pela manifestação das coisas e você desviou os olhos e disse "eu não acho. Claro, to falando só de mim, mas eu não acho não" e voltou o assunto para as Pinturas Rupestres como, na arqueologia, todo solo era sagrado e passou a meio-que-brincar/meio-que-falar-sério novamente que a Ocupação Humana era algo deslumbrante e por tudo ser tão vasto & gigantesco, a esquisitice era uma manifestação mais originária do que Beleza ou artes esculpidas. Acho que era por isso que você odiava tanto o refinamento da Medicina. Acho que era por isso que você sentia-se freado na sala de aula e mandava aquelas mensagens que, hoje posso encarar, eram como sua experiência do Inferno. Ou talvez você só depositava no Curso toda sua frustração e impossibilidade de ser possível, como se qualquer atitude cotidiana sua fosse batidas em pontas de rochas.

Acontece que inevitavelmente eu sabia que uma hora todos cansaríamos do Mundo Possível As coisas eram apresentadas sem conexão entre elas, a não ser uma manifestação puramente exterior, deformando a paisagem idílica. Como se, ao reparar em seu perfil ao meu lado em primeiro plano para uma janela embaçada pelo frio, eu quisesse protegê-lo de todas as coisas que são possíveis. Mas eu fiquei com medo (ou vergonha) de dizer enquanto sua lateralidade flutuava naquele Vácuo Urbano. Eu fiquei com medo de quebrar o Ritmo da Noite, porque tava tudo bem e os problemas de hoje pareciam estarem se extinguindo enquanto avançávamos em nossos assuntos banais : Teorias conspiratórias, associações para dar risada. E enquanto nós convivíamos em tive a noção plena de que existiria uma penca de personagens em todos os livros que eu ainda quero escrever baseados naquelas Conversas Malucas. Que muitas vezes eu tive a impressão nítida de que tinha passado por todos os seres humanos até encontrá-lo, que a amizade é o último Refúgio e uma Ilhava que ancorava navios sem pilotos. Eu não sei se pensei tudo isso na hora ou se to inventando que pensei tudo isso, mas eu pensei um bocado de coisas enquanto, com o pescoço virado para a minha direita, olhava seu perfil pálido lutando para não ser absorvido  pelas luzes de mercúrio & pelos faróis. Você perguntou "aconteceu alguma coisa" e é claro que nenhuma dessas anterioridades foi pronunciada pela minha boca, só falei "não, não, tá tudo bem". E a gente chegou e nós pedimos lanches para viagem e assistimos a alguns filmes e conversamos esquecendo de nossas crises estúpidas, como mais ou menos as definíamos. E brincamos de escrever uma Revista Online sobre cinema (eu até hoje não sei se é brincadeira) e você me jurou que na próxima visita faria seu famoso macarrão.  Muito depois eu pensaria nesse dia, muitos anos depois eu ainda sinto que todas as coisas que eu escrevo, de alguma forma, convergem praquele dia.  Todas as coisas pareciam distantes, mas eu não quero dizer que a conversa daquele dia foi mais importante que todas as outras que tivemos antes. Porque sempre que conversávamos a tensão do Mundo se transformava numa Faísca Impotente. Porque qualquer que fosse o papo, eu pressentia que você iria sair daquela angústia que tomava conta de você, porque você era encantador e emprestava Energia pra quem quer que estivesse próximo. E eu entendia que uma amizade nascia e eu queria carregá-la minha vida toda.

Uma semana depois você se matou.

sexta-feira, 7 de julho de 2017

meus discos favoritos de 2017

TRÊS GUARDA CHUVAS – CAIDÃO



Três Guarda Chuvas (assim mesmo, sem o hífen) delimita em espaços internos (“o cinza em mim”) fragmentos bonitos mas que, por alguma razão (ou justamente por nenhuma), parecem distantes, inalcançáveis. Em “Caidão”, é realizada a junção de momentos em que se reconhece o Belo mas é impossível reconhecer uma ligação de ti com os objetos de possível afeto. 
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Johan Berthling / Martin Küchen / Steve Noble - Threnody, at the Gates



O que faz o trabalho em Threnody é toda energia excitante de três músicos com diálogos bruscos entre si , mas que estranhamente ainda conseguem construir um mundo a partir de fragmentos de composições.Porque em nenhum momento o caos se dispersa do controle e em nenhuma momento mais "tranquilo" a calmaria também não é regida pelo pressentimento da destruição.
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BATISMO – TRILHA PRUM POSSÍVEL CURTA



Ouvir “Trilha Prum Possível Curta” é um mergulho na capacidade de ressignificação e como isso é capaz de maravilhar, de essencialmente transcender o objetivo anteriormente proposto e inaugurar sensações antes impensáveis (e por isso impossíveis). A demo é parte de algo e também é uma origem com representações múltiplas enquanto estas se deformam por nossa imposição e, paralelamente, deformam nossa concepção.
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William Basinski - A Shadow in Time



Os loops ,que são a marca-mor de toda a discografia de Basinski, reúnem dispersões impossíveis e retratam uma visão totalmente subjetiva de uma realidade usurpada ; em que o Tempo é cristalizado como imagens borradas , cujas formas beiram a incompreensão.
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CLAN DOS MORTOS CICATRIZ – CLAN DOS MORTOS CICATRIZ



Parece que o debate (ou ofensas propriamente ditas) sobre a palavra e sua (im)potência é o tema centralizado que propulsiona o Clan Dos Mortos Cicatriz, banda de Curitiba com dois integrantes da essencial Concreto Morto, em um terreno de pouquíssimas convicções – e as poucas que restam são rapidamente esfaceladas neste “eu próprio” fracassado que o disco sugere. O tempo só passa pros outros e somos corroídos por uma sensação constante de andar à margem – de nos esfacelarmos também enquanto a vida propriamente dita transita do outro lado (cujo acesso nos foi vedado).
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Vince Staples - Big Fish Theory



Confinadas em fluxos de consciência (não apenas líricos , mas também sonoros) as colagens de Big Fish Theory são capazes de dissolver o que se passa na cabeça de Vince Staples e a realidade imediata . Deixando as tropas de seu disco antecessor para trás , Summertime '06 ,o que se vê aqui é um acesso não-obstruído - e por isso confuso & caótico - a uma das mentes mais promissoras do hip hop.
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TRIO REPELENTE – AO VIVO PRA NINGUÉM



bem antes do trio repelente ser uma teoria, é um exercício contínuo que continua a operar na cabeça do ouvinte. em “ao vivo pra ninguém”, é desenvolvido um arranjo sônico que estende a percepção e com ela estendida é muito mais fácil pro grupo evidenciar seu precioso processo interativo. a manifestação individualista daria apenas a “impressão rasa de interação” e embora seja dificílimo exemplificar uma interação falsa (ainda presa em gêneros, ainda presa em tabus progressistas), é evidente que este trabalho aqui é tudo menos isso.
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Oxbow - Thin Black Duke



O disco mais "direto"  e menos agressivo da banda , apostando em uma estrutura sonora que beira o orquestral , com emocionantes passagens do vocal.
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EXAUSTA – RAVE DA MORTE



“Rave Da Morte” é a performance musical que não sai de si mesma pra evidenciar que, claramente, há outra coisa. Evita se posicionar (!) pra questionar (?) e é por meio da exploração do elemento interrogativo que evidencia as variações que partem dum mesmo ser.
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Evans / Fernández / Gustafsson - A Quietness of Water



A Quietness Of Water confirma Gustafsson como um dos músicos contemporâneos mais envolvidos em extremas explorações sonoras. Em conjunto com Evans , ele cria vácuos de impressões abstraídos de nada (não há sequer uma linha de composição) e contam com um Fernández que ainda tenta manter as coisas em seus lugares - o que não garante absolutamente nada e cria uma tensão que se registra durante todo o disco.
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VULGAR DÉBIL – A FLAUTA DE PÃ



Embora “A Flauta De Pã” seja uma performance não representativa de seus micro-organismos (insetos, sons manipulados, ecos, variações de volume), o disco dá um espaço que eles anteriormente não teriam. E é em sua incompletude que eles podem se afirmar.
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The Caretaker - Everywhere at the End of Time - Stage 2



Em Everywhere a nostalgia é explorada como fator-originário de emoções derivadas. E, acredite , o The Caretaker consegue ir bem fundo nisso de "explorar emoções humanas" , apelando para sensações momentâneas construídas de momentos ultra vastos (em sentido temporal , também). 
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GOD PUSSY – ABNEGAÇÃO FILANTRÓPICA



O God Pussy remove todos elementos que o próprio Bandcamp fez questão de explicitar pra evocar, junto ao ouvinte, a satisfação de lugares desabitados. No entanto, a problemática do que é “lugar” e o que é “barulho” será efetivamente colocada na mesa por alguém. De fato: as coisas não são tão diferenciáveis assim no trabalho do God Possy. Elas “podem” acontecer. Elas “podem ser incidentais”. O músico reconhece a potencialidade do que se lança no mundo. Mas, perceba: elas nunca vem dadas, elas nunca vêm explícitas. Elas abrigam a “possibilidade originária” (claro que tudo dito aqui pode ser genérico, mas acredita-se que estas três últimas linhas – que explicitam a possibilidade dos acontecimentos – deixam as coisas menos especulativas). No entanto, não há certeza ou afirmação alguma do que pode ou não ser genérico. Consecutivamente e fatalmente isso vai caber na vivência do ouvinte em cada uma das três faixas. A distinção sempre cabe a quem assimila o trabalho final.
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Bedwetter - Volume 1: Flick Your Tongue Against Your Teeth and Describe the Present.



Com certeza o lançamento mais pessoal e emocional de  Travis, considerando seus lançamentos irrisórios de memphis rap anos atrás , ainda que tivessem seu valor estético . Volume 1 é uma tentativa de descrever um presente que aparentemente é muito pesado.
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THIS LONELY CROWD – THIS LONELY CROWD



Pela poesia, o acesso à comunhão com a experiência de outrem deixa de ser refém de ideologias e abre um pequeno acesso; a música, em especial com tal poder da TLC, catalisa isso e não apenas apresenta a percepção de alguém (a banda) muito afetada por tais palavras, mas também apresenta ao ouvinte a concepção entre origem (“no início era apenas o verbo”, Evangelho de João) e reelaboração estética através deste início (música).
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Yowie - Synchromysticism



A pouco mais de meia-hora que dura o disco não tira o fato de que é um álbum difícil de ser assimilável . Talvez por não ser tão imediatista quanto os álbuns antecessores , Synchromysticism guarda uma brutalidade velada entre os angulares e bizarros versos das guitarras . 16 anos de banda ; apenas 3 álbuns . E ouvindo e sentindo a dificuldade explícita de Synchromysticism  dá para entender o porquê.
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GROTESK Y GVTX – CELDIY



É um caminho sem indicações, em que só é possível olhar pra frente e ver um enorme horizonte confuso sem qualquer explicação plausível de como chegar no ponto em que se chegou. Se “tudo foi regresso”, há a consciência de que dá pra seguir de outro jeito. Aproveitando o microfone, com as poucas ferramentas à disposição, pode-se fazer muito e “CELDIY ” é uma pequena amostra desta potência.
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Jon Irabagon, John Hegre & Nils Are Drønen - Axis



Entre todas as dissonâncias que Axis revela , está implícito o valor que a música pode gerar através da assimilação de divergências (por mais radicais que sejam) . 
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KTARSE – INFLAMANDO A INSURGÊNCIA



Uma guerra se instala enquanto (há muito) o capital se impõe, causando um ambiente degradado onde as pessoas estão cada vez menos capazes de se insurgir contra a classe dominante, sempre intocável, sempre distante de qualquer mudança. Policiais massacrando, limpeza étnicas nas periferias, famílias sendo dizimadas. O Ktarse sabe da queda deste tipo de humanidade – políticos, indústrias, culturas antigas. Há o frenesi constante de que tudo vai, inevitavelmente, cair e se estilhaçar, sobrando apenas projeções de esperanças em cada pedaço.
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Igorrr Savage - Sinusoid



Este álbum traz TANTA coisa junta que é um dos discos mais difíceis de categorizar do que eu ouvi em 2017. A capa ilustra bem.
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CÁSSIO FIGUEIREDO – LEMBRANDO ASPECTOS MORTOS



O clímax (do ato) de lembrar, portanto, é trafegar num espaço denso em que os objetos são apenas silhuetas, resquícios do vivido ou apenas próprias criações do músico. A música, em si, é apresentada como materialização duma tentativa frustrada. Ela não apenas necessita do engajamento do ouvinte, ela dialoga com ele através dum lapso temporal. Chame isso de “lembranças”.
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Piernikowski - No Fun



Considerando a mesmice até no "hip hop alternativo" , a interferência manipulativa dos MIDIS em No Fun traz uma áurea arrastada que ambienta o disco , fazendo com que o clichê "ouvir de uma vez" se torne necessário.
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 BETO CUPERTINO – TUDO ARBITRÁRIO



A urgência estabelecida em “Tudo Arbitrário” – em contraponto aos instrumentais calmos e a voz gentil de Cupertino – muitas vezes encontra seu contrário em surpresas boas. Se “Tudo Arbitrário” respira uma necessidade de finalização, o disco admite que a caminhada pro “acerto de contas” não exclui reparar no ambiente ao redor ou mergulhar em lembranças que também são testemunhos de como se chegou a este lugar.
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Circle - Terminal



Outro disco que tira da Nostalgia sensações derivadas e trabalha em cima destas para estabelecer sua atmosfera . O Circle se baseia em grandes riffs para estabelecer um ambiente específico e , a partir destes , adicionar estranhezas à coisa toda. Os vocais do disco são entoados com grande drama e humor , sempre num viés futurista/ritualista. Toda a melodia e entrega da banda evidenciam uma paixão pela música e que pode ser exercida sempre de um jeito novo, jamais deixando a competência.
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SENTIDOR – AM_PAR_SIS



Naturalmente, trabalhar com a obra de Tom Jobim requer mais do que técnica – requer também uma percepção ampla (além do sentido estritamente musical) de como reelaborar sua cosmogonia. Principalmente na implantação que o Sentidor, alter-ego de João Carvalho, quer submeter tal reestruturação: não há um paradigma de como interagir com Tom Jobim em representações esparsas. Deste ponto, do preciso ponto entre uma interação significante pra uma elaboração de multiplicidades (lembre-se que nos trabalhos fora da El Toro Fuerte, João Carvalho segue uma fragmentação esquizofrênica do que é atribuído como realidade), é criada o reflexo deslumbrado com as possibilidades. Esse é o caso de um reconhecimento meta-acadêmico da obra de Jobim, em que o Sentidor se despe de todas postulações acerca da obra pra investigar as possibilidades legadas pelo mestre.
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Led Bib - Umbrella Weather



Toda a identificação inicial do disco vai ser belamente dizimada no desenrolar deste. 
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GUSTAVO TORRES & J.-P. CARON – ~Ø (NÃO-VAZIO) M.P.S.S.T.N.G.G.C.O.P.PG.



Um tema muito difícil de propor e que mesmo assim transfigura um rito anteriormente estagnado em um processo renovador de descobertas, manifestando subsolos múltiplos em um chão que uma vez foi concreto.
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David Kanaga - Operaism



Colagens sonoras de videogame , noise e músicas étnicas formam a Ópera de David.
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G. PAIM – SHARPEST KNIFE



Não há nada que difere as situações além de suas impressões e ainda assim é evidente que não se trata tudo duma mesma coisa, mas advém dum mesmo âmbito (além de obviamente do mesmo artista). A música existe porque causa uma situação. Em “Sharpest Knife” nós nos encontramos imediatamente num acesso múltiplo simultâneo.
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Strange U - #LP4080



Altamente influenciado por MF Doom, todo o álbum é um BANGER esquisito e bizarro demais para não deixar de ser notado.
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FELIPE ZENÍCOLA – PHERSU



A capa diz muita coisa : impressões registradas que depois transformam-se em outras coisas e ainda guardam o espectro inicial da aparência.
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Stabscotch - Uncanny Valley



O desentendimento em ” Uncanny Valley” é encarado como propulsor (temático e sonoro) que deixa tudo que rola no disco extremamente confuso. A capa diz muito: são elementos recolhidos duma realidade objetiva e distorcidos no próprio universo criativo da banda.
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CIDADE ESTÉRIL – CEGOS PUGILISTAS EP



Através de imagens muitos humanas e cruéis, o epicentro dramático de “Cegos Pugilistas” está no embate em não “perder” outro dia. Não é a transformação do dia-a-dia numa guerra, mas sobre a resistência e a força que isso requer. Somos guiados numa narrativa de que é impossível parar, mas até as mínimas pausas na correria diária contribuem pra fortalecer a resistência.
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Daniel Levin / Ingebrigt Håker Flaten / Chris Corsano - Spinning Jenny



Toda a oscilação do disco que garante sua ferocidade. Spinning Jenny é o resultado dos encontros e desencontros (como é sugerido na capa) de cada individualidade. É como se diversos tipos de tensões fossem sonorizados.
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YANTRA – DRONES E EXCURSÕES DE GUITARRAS RUMO AO DESCONHECIDO VOL. 2



Que se apreenda tanto de ilusórias iterações (na verdade o YANTRA maneja os instrumentos de forma bem ampla) é o mais impressionante do disco. Por conseguinte, o que se apresenta como central – a repetição – e o que se reconhece como emergente – as variações – são iterações da mesma origem. É o campo de bifurcação entre a consistência e inconsistência: a partir daí as multiplicidades interagem com o ouvinte.
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Jacaszek - KWIATY



Outro álbum que trata de nostalgia e lembranças etéreas construídas por nossa mente ao nos relacionarmos com a música. A conjuntura de espectros pretéritos vem à tona todas as vezes que eu ouço o disco ; é como andar em suas próprias projeções e esbarrar em seus próprios fantasmas. O ponto em que a narração não se sustenta contra a deformidade de nossas memórias , transformando esquecimentos em criaturas presentes com outros rostos. Não há construção de significados , só há aparência.
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VERMES DO LIMBO + BERNARDO PACHECO – BERNE FATAL



O desenvolvimento que o Vermes Do Limbo mais o guitarrista Bernardo Pacheco entregam em “Berne Fatal” é de uma decomposição colossal. O axioma da ação é juntar a guitarra quebrada de Pacheco com a sensação crônica de “locomoção urbana subterrânea” que os Vermes sempre passaram em sua trajetória.
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The Pablo Collective - The Death of Pablo



Eu honestamente não sei por que to colocando isso aqui, mas como um fã do Life Of Pablo eu acho que ouvi mais este disco aqui do que o "original" . Acho que a internet foi longe demais.
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MELIES – EPHEMERIS



Os vestígios impressos em “Ephemeris” são retalhos de qualquer coisa (experiências, técnicas, esboços) que surgem pra se confirmar e elevar o som a algo puro e, temporariamente, sem vestígios conceituais ou tecnicistas. As funções não importam muito e nem o tempo objetivo da (curta) duração das faixas. Elas fazem jus ao nome do disco que alçam detalhes aparentemente tão pequenos a uma dimensão cósmica e, portanto, humana.
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Avec le Soleil sortant de sa bouche - Pas pire pop, I Love You So Much



Desde que eu ouvi Pas pire pop , eu preciso voltar nele de tempos em tempos. É um disco esquisito e viciante.
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PALLIDUM – STRICT



O efeito cumulativo de “Strict” se sobrepõe a todas as predisposições que inegavelmente criamos quando vamos ouvir um álbum. Não é apenas que o disco tem “vida própria”, mas ele carrega em si uma paranoia intrínseca à realidade, dialogando com resíduos e lugares desabitados e esquecidos.
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Paal Nilssen-Love & Frode Gjerstad - Nearby Faraway



Desde o começo calmo até os caóticos frenesis no meio do disco, Nearby Faraway nos apresenta um Nilssen-Love em seu melhor. É como se a dupla tentasse não dividir suas individualidades, mas sim a intimidade da qual uma relação é constituída.
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CV – II


Em seus momentos mais intensos, principalmente na faixa “ii”, o submundo erguido por Miazzo parece um culto secreto onde não há ninguém presente. Talvez, realmente, um (por assim dizer) “momento-eterno” só apresenta seu vigor físico (o chiado constante) quando não há alma para testemunhá-lo.
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Mary Lattimore - Collected Pieces



Apesar do que o nome sugere, Collected Pieces não se trata apenas de peças que se individualizam no Todo que é o álbum. A harpa de Lattimore, obiamente, une os estilhaços para emprestá-los a delicadeza da mundanidade. O que explica a beleza-efêmera do disco; é uma compreensão que só pode ser afirmada na brevidade de suas notas.  
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JULIANA R. – TAREFAS INTERMINÁVEIS



A transparência vedada em “Tarefas Intermináveis” é um paradoxo temático e sonoro que cria campos particulares que teoricamente se refutariam mas isso é impossível uma vez que eles mesmos convivem em Juliana.
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ho99o9 - United States of Horror



Eu não ligo para o que dizem sobre esse álbum , mesmo. Ele é muito energético e divertido. E acho que nem esses caras se levam muito a sério, embora dá pra visualizar sim um conceito entre a agressividade do disco e as letras explícitas. Se eu pudesse dirigir, isso daí não sairia do meu carro.
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SANZIA – ATSM



Mais do que somente imposições formais, “atsm” é uma espécie de drone folk que coexiste com o ambiente conturbado de outras obras de Miazzo. São acordes intermediários entre ambiência um tanto quanto onírica e recortes sonoros que diferenciam “atsm” de seus outros trabalhos. Sons parecidos com outros lançamentos também são sentidos, só que aqui eles fazem plano de fundo para as canções de “rock” que figuram em primeiro plano.
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Moon Duo - Occult Architecture, Vol. 1



O tema de Occult Architecture é muito parecido com a capa ; há sim uma narrativa que leva o ouvinte em certo enredo até este ser desmanchado pela precisão sinistra do grupo. Por isso que este disco é indiscernível. Porque apesar de dialogar a partir de elementos bem tradicionais do rock progressivo, a utilização deles é realizada de maneira pouco usual. Então, ao mesmo tempo que o disco seduz o ouvinte fã de certo tipo de música, a instrumentação oculta outras possibilidades.
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DJONGA – HERESIA



É na noite que serve aos reis e rainhas que Djonga conseguiu se transformar junto com seus amigos, através da subversão mística e mostrando o sagrado da realidade. A palavra serviu de algo.
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Lean Left - I Forgot to Breathe



Dois ex-guitarristas da banda punk alemã The Ex se juntam a dois dos melhores improvisadores do jazz contemporâneo para criar uma banda que atravessa as fronteiras de ambos os gêneros; I Forgot To Breathe faz jus a seu nome e é impressionante o quanto de coisas pode-se criar entre uma respiração e outra.
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RALLYE – OUT AND ABOUT EP



Rallye me lembra também o tipo de hardcore melódico na virada dos anos 2000 que estourou no ABC paulista (onde eu morava na época) e que me trouxe tardes menos solitárias. Há uma razão que supera essa nostalgia, porém: os sing alongs contagiantes são capazes embalar qualquer dia não muito bom.
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Aaron Dilloway - The Gag File



É estranho que num trabalho de noise algo como "ritmo" fique tão explícito quanto temos em The Gag File. São ritmos de destroços, é verdade. Mas mesmo assim é impressionante como o subterrâneo é capaz de adquirir uma massa sonora e ainda assim resistir ao aniquilamento completo - enquanto, paradoxalmente, o cria.A narrativa 0 (zero) de Dilloway é este movimento entrópico de arcos , anteriormente criados por ele, sendo destroçados e essa destruição ser a repetitiva forma dele criar música. É neste ponto de controvérsia extrema que a música dele se manifesta, como anotações ocultas da arquitetura de uma cidade grande. A afeição pela contrariedade é algo recorrente no noise e neste vetor Aaron não peca. Ele constrói sua paisagem embaixo de conversas & sussurros, como se só tivesse sua maldição durante o resto de sua vida. 
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VATHLO – EP



O axioma do EP do Vathlo se baseia numa urgência em que a densidade sonora é profundamente esparsa, caracterizando cada som como insubstituível e como uma formulação natural de deslocamento do conceito mais tradicional de “rock” pra uma ambientação hipnótica em que a estrutura sai do simplismo “rítmico” pra aderir ao prolongamento do instante.
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P.O.S - Chill, Dummy



As letras de Chill, Dummy tratam , acima de tudo, sobre as perspectivas que uma pessoa pode adotar no decorrer de sua vida. O que me fascina em Chill, Dummy é que ele é dotado duma espécie de ambição natural. As habilidades de P.O.S enquanto MC se ambientam em batidas etéreas, às vezes abstratas.
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JARDINEIRO – MIXTAPEZINHA DO MAURRICE



Mesmo com essa continuidade sonora bem delimitada e estabelecida, toda a mixtape não deixa de soar como algo esquisito, em que a dinâmica de continuidade não necessariamente “convence” (o que não importa muito, visto que toda a proposta da mixtape é clara no sentido de propor um relaxamento).
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Kungens män - Bränna tid


Uma jam tranquila que se baseia em repetição e improvisação
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CORA – NÃO VAI TER CORA



Por mais abstração que o EP traga, todo o clima constrói uma interação com o ambiente ao redor (a cidade) que caracteriza uma necessidade do eu-lírico de se erguer e afirmar em meio a todas complicações. Fazer música como forma de gritar sua autonomia exige uma fé crucial no potencial transformador que as canções podem ter.
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Tony Malaby, Mat Maneri & Daniel Levin - New Artifacts



New Artifacts é um álbum completamente conceitual e necessita de muitas audições, até mesmo para quem já está familiarizado com o trabalho do trio. É uma propagação triangular que brinca com conceitos geométricos e investigações sonoras em todo seu perímetro.
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CV – NOIR



O álbum pode ser encarado como uma maneira de relaxamento – ao contrário de outros trabalhos mais agressivos do músico, “Noir” pode muito bem ser tocado como plano de fundo pra outras atividades – embora o destaque seja sempre a condensação bizarra que é transfigurada pra audição.
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Oto Hiax - Oto Hiax



O poder do Oto Hiax se baseia em poder modificar bruscamente o humor do ouvinte. Os sintetizadores da dupla muitas vezes criam campos difusos fazendo com que habitemos em diversas instâncias durante toda a audição. Isso por que texturas diferentes interagem movendo sempre o que é "sentido", ainda assim contribuindo para que nunca nos descolemos de qualquer eixo sonoro.
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NATURAL NIHILISMO – PSEUDONYM UNKNOWN



Pra um artista com a sensibilidade social e psicológica como Jhones, o único retrato possível passa pelo filtro da angústia (eu não consigo imaginar qual seu processo de composição e fica aqui uma admiração por seguir incessantemente um caminho árduo em que, aparentemente, a única espécie de recompensa são tímidos ecos de outrem aqui e acolá). “Pseudonym Unknown” traça uma percepção produtiva de alguém carnalmente embutido na realidade.
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Expressway Yo-Yo Dieting - Undone Harmony Following



Hip-hop pesado. Do inferno.
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GIALLOS – BLAXXXPLOITATION EP



Contas pagas não significam nada. Deus não significa nada. Encare como quiser, pois, assim como as guitarras dispersas do EP (elas literalmente distorcem pra todos os lados), a banda não está apelando pra nada no ouvinte e parece muito à vontade ao expor sua curta-vontade com o mundo e os assuntos em geral.
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Group Doueh & Cheveu - Dakhla Sahara Session



Blues do deserto + sintetizadores + um rock que abandona suas estruturas genéricas 
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IN VENUS – RUÍNA



As várias influências que gritam no disco não embaçam o berro próprio que “Ruínas” vai formando – socos na cara como a faixa “Cotidiano” precisam ser desferidos constantemente, mas mais do que isso, eles precisam ser expressos no mais urgente agora, pra que as estruturas não pesem tanto nas costas a ponto de impossibilitar qualquer eco próprio.
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Shelter - Shelter



A improvisação livre é evidenciada de maneira lenta, como que se decompondo.
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BAD REC PROJECT – EVERY UNION SHOULD BE A LOVELY UNION



O Bad Rec Project narra – com “estranhas” ambientações instrumentais – passagens cotidianas que, no momento em que ocorreram, significavam o mundo e agora, com o peso do tempo, até podem perder certa áurea “mágica”, mas adquirem o corpo mundano e mortal sendo, justamente por isso, mais valorosas. Quando se é jovem e idiota não se tem noção dessas coisas e tudo parece um motivo pra rir – e não há nada de errado com isso, mas também certa idiotice adolescente é reencontrada pela pessoa que nos tornamos e podemos rir daquelas velhas coisas, ainda que por outros motivos.