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quarta-feira, 7 de julho de 2021

Atlanta hawks, depressão e Penedo.

   


  Eu falei "este é o fim dos dias" tantas vezes nos últimos tempos, como se a repetição proporcionasse uma espécie de mantra místico que faria o mundo acabar. Eu mesmo sonho com meu mundo acabando todas as vezes quando o sol da manhã transforma os sonhos em impossibilidades patéticas de uma mente infantil. Nós estávamos esperando o nascer-do-sol, cheio de expectativas para a vida adulta e quem seria o primeiro maluco que iria se aventurar de casar, comprar uma casa, ter um filho, ficar mais de dois anos no mesmo emprego. Eu não sabia o que era crédito financeiro, não tinha muita responsabilidades a não ser zelar pela indiferença solar (enquanto todos tentávamos transmutar no elemento negativo como palavra-inauguração: o mundo sempre seria uma celebração que renasce a cada piscar de olhos). As dívidas começaram aí e tornaram depois a base de muitas conversas terapêuticas sobre insatisfação capitalista, depressão, ansiedade, crise de pânico e todas essas desordens que todos os meus amigos têm (inclusive os que aguardavam o nascer-do-sol naquele sábado de madrugada em Santos).


  Eu odeio o ritmo de nossas vidas esses dias. Encarando o vazio de uma tela iluminada, gritando com caricaturas de pessoas reais cuja presença não sentimos há mais de um ano, as faces afastando-se, rodopiando para a indiferença do inumano, a indiferença do inacessível: quando o outro é sempre uma negação de si e de sua humanidade (em Penedo eu vejo patos - ou gansos? - atravessarem o parque, protegendo-se de maneira enfática nas árvores que sombreiam de forma tão harmônica quanto um movimento de arremesso do Trae Young do logo da quadra na virada contra o Sixers). Todo mundo tá insatisfeito e cada olhar é uma incompreensão surreal, que aparenta ser algo assim: "sim, sim. Você tem depressão, tá triste, tem uns 30 anos, houve músicas nostálgicas para inventar uma ancestralidade de paz que nunca existiu. Mas ninguém mais aguenta te ouvir, sabe? Ninguém mais liga pra todas essas vidas despedaçadas".


  A B. falou algo assim: "você diz que é o fim dos dias, mas continua mandando esses stickers idiotas que eu amo. Você continua me falando empolgado de livros que você sabe que eu não tenho vontade alguma de ler. Você não acredita em Deus mas toda segunda-feira manda algo como 'Deus abençoe a semana de vocês, galera'". Talvez o plano de Deus seja mesmo um mapa de todas as pequenas coisas perfeitas: os patos - ou gansos? - descansando sob a sombra das árvores; a ponte área do Collins em cima do Embiid; as chamadas no discord/zoom/skype/meet com os amigos; o conto Funes, o memorioso, de Jorge Luis Borges.


  Se toda cidade é igual, amaldiçoada e melancólica com um nome diferente, talvez seja a hora de se aquietar em algum lugar. Envelhecer lentamente tendo saudade de dias que não sei bem se existiram. Parar de exigir comportamentos-impossíveis, fazer uma hora de caminhada por dia, ler qualquer poesia, beber qualquer cerveja. Eu cansei das discussões sobre nada. Eu cansei de não perdoar as pessoas que eu amo. Eu cansei de reviver todas as alegorias personificadas em ideais impossíveis. Eu cansei de não conseguir apoiar as pessoas, de sentir vergonha todos os dias quando eu acordo pelo simples fato de ser uma matéria numa Terra, ironicamente, inerte. Eu espero poder contar o bem que nós fizemos em mais de uma mão.


  Quando você observa Penedo de cima, seu cansaço se esvai (ou você se esquece dele). As árvores, espessas e dum verde tão penetrante que faz parecer que todos os outros verdes são claros, avolumam-se e parecem invadir seu cérebro como uma transposição redentora das raízes esquecidas. A matéria é um milagre, as partículas são química, os olhos lacrimejados testemunharam um sopro de vida tão raro que fica difícil não sucumbir à ideia de Deus.