CURTA NOSSA PÁGINA NO FACEBOOK

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Juçara Marçal- Encarnado [2014]



A relação entre morte e vida é óbvia. Recentemente, Juçara Marçal decidiu-se lançar solo, mas o que realmente surpreende aqui, é que ela traz elementos que eu ainda não havia identificado em sua música. Protegida por uma discografia de destaque ao lado de grandes nomes, o disco novo tem muita força própria e é prévio candidato aos melhores álbuns do ano.

Mas é óbvio que toda essa discografia não se sustentaria sozinha, era preciso arriscar. Para Marçal, interessa demais subverter as regras (?) ou estruturas tão tradicionais da música popular brasileira, e pra isso ela utilizou de certa dose de amor por Patife Band, Arrigo Barnabé, Letícia Garcia. Com antecedentes assim e sua própria história dentro da música, Juçara mais uma vez se reinventa ao apelar para a redução de instrumentos, que mesmo assim não se omitem a cacofonia, ruídos, barulhos, experimentalismos.

Assim, Marçal renasce com sua potencia vocal. É uma obra muito bem elaborada com letras invariavelmente rondando o definhamento, o aniquilamento e a destruição. Em suma, ela não tem medo de pegar melodias já conhecidas, relativamente famosas, e deixá-las ao doce julgamento de sua voz. A questão é que a cantora tem uma personalidade tão forte e interpretações corajosas e audaciosas.

Esta exposição deixa Marçal mais acessível, sem barreiras complexas para comunicação com ouvintes. Há diversas ramificações, cenários e alternativos para as versões incorporadas, que tem um grande apelo popular, embora ainda sob o “estranho” que habita o universo de Juçara. Existe essa acessibilidade que é possível perceber logo no inicio do disco, preparando para o que vem a seguir. A música vaga pelo samba, MPB e, claro, a vanguarda paulista.

Assim, ela está livre para interpretar as canções fora de qualquer acordo prévio, criando melodias são completamente singulares. As músicas revelam Juçara explodindo alucinadamente. Surpreende que tão poucos instrumentos retratem incrivelmente bem a dimensão visceral que Marçal utiliza na fragmentação de harmonias. Mas não se enganem; essa modulação tem todo um efeito cênico dentro do disco.

Podemos perceber instrumentistas bem alinhados, confortáveis com o espaço alheio. Porque Juçara transita entre o acessível e o essencialmente torto, os músicos providenciam o tipo de ambientação que segue essa coerência, e conseguem. Ou seja, um passo muito corajoso para a música nacional, confirmando nossa excelente produção que a todo o momento- seja por que raios for- queremos estar dando como morta.

Baixa o disco gratuitamente clicando aqui.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Modern Baseball- You’re Gonna Miss It All [2014]




Por “x” motivos, sabemos que o segundo álbum de uma banda é sempre uma incógnita. E não podemos esquecer que o Modern Baseball é, ao todo, uma banda realmente universitária; leem bons livros, querem sair do senso comum, introspectivos cautelosamente ao ponto de evitar não ser convidado para as festas alternativas mais legais. Talvez pelo medo de se expor, as letras de Brendan Lukens ganharam mais um caráter de história.

O vocalista já deixa claro: “tudo o que eu quero é me preocupar com todos, exceto eu”, em temas que tratam sobre distância, interferência do passado no presente, recordações. Acompanhado do outro compositor da banda, Jacob Ewald, Brendan elabora um audacioso jogo narrativo onde o eu lírico está imerso em situações pretéritas e atuais. Talvez seja mesmo um retrato da primeira pessoa que está em demasia na música contemporânea, porém no Modern Baseball as situações são tão reais que não consigo me ver fora destas. Relaciono-me completamente com letras tão sinceras. Daí o álbum arraigar em mim raízes tão discursivas, porra, esses meninos vivem as mesmas coisas que eu! Fica fácil ter empatia e se identificar com a abordagem introspectivo-irônica.

As composições contam casos escancarados, onde não há muito autoestima. As letras não estão preocupadas com serem afáveis, cortês, amáveis; não! Brendan encara com refinada ironia términos de relacionamento. Por isso o garoto não hesita em oscilar entre gentilezas- “Mas você é a brasa do meu coração/ Quer você goste ou não” - e xingamentos simples e diretos – “vai se foder”. O álbum é uma montanha-russa em tudo que varia entre esses extremos, coisas tão comuns da juventude, essa tal de bipolaridade. O menino é bom em alegorias e situações visualmente muito fortes, com grande estrutura de “cenas”.

A constituição sonora do conjunto tem seus créditos em bandas contemporâneas de rock independente como Born Ruffians e Johnny Foreigner. Isto claramente “livra” a banda de rótulos simplistas, por exemplo, “pop punk”.  É um álbum muito curto e o Modern Baseball não está interessado em longas sessões, a mensagem tem que ser mais direta possível. A estética de “garotos universitários e inteligentes que também sabem se divertir” se embasa no lo-fi festivo do Titus Andronicus até músicas acústicas como o The Extra Glenns. Tudo isso fica mais evidente na faixa "Going To Bed Now", onde é notável todas essas influências, do folk ao punk, e essas associações na letra que referem a temáticas completamente atuais com grande ironia.

Eu já falei sobre isso na resenha do You Blew It!  , como é no mínimo estranho que as bandas baseadas em simples rock, no conceito tradicional, e discursa sobre problemas pessoais e de relacionamentos, como o Ozma , imediatamente são descritas como emo. O que realmente acontece aqui. Instrumentalmente, é um meio termo entre o folk punk e o pop punk. Músicas estruturadas em torno de repetição de palavras, poderosas, variando na velocidade. O que chama a atenção para a banda é o mesmo que tem acontecido com outras consideradas – e mais justamente- emo, uma rápida evolução em três anos e pouco de Modern Baseball. Isso fica claro nas composições: mais esperançadas, ambiciosas, variadas. A pós-produção de áudio fica por conta de Will Yip (que recentemente trabalhou com grandes nomes como Pity Sex, Man Overboard, Daylight). Obviamente, soa muito mais competente que Sports (o primeiro álbum da banda).

É quase categórico que bandas assim têm potencial para maior público, ainda que abordem questões tão peculiares entre a transição da segurança da rede adolescente e um mundo que invariavelmente não vai te poupar. Mesmo dialogando sobre términos de amizades e escapes fúteis em relação a isso. É tudo uma montanha russa bipolar de emoções. O efeito da causa que foi o Introverted Romance in Our Troubled Minds, da banda P.S. Eliot. Isso porque todos os contos são assombrados por problemas. Em suma, aquele tipo de disfunções que sofremos muito na hora, e que depois vão abrandando com o tempo, e que parecem que não existiram um ou dois anos depois, enquanto voltamos sozinhos para casa, com leveza, pensando sobre tudo aquilo que sentimos falta.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Bohren & Der Club Of Gore- Black Earth [2002]




O homem nasceu para ser livre, e gozar, e foder, e se fundir com outros braços, outras bundas, e peitos, e coxas e paus”, Fernanda Torres.

Eu amo música. Eu gosto de tambores e sons distantes para me conectar com alguma entidade demasiadamente boa para ser nomeada. Nunca fiz teoria musical. Com um pouco de iniciação, pré-disposição e liberdade, fica fácil se submergir em ritmos hipnóticos. No entanto, algumas características de certas bandas ou gêneros chamam mais a atenção. Onde cada nota, acorde ou batida, deve ser ouvida com concentração. Não precisa ser um intelectual acadêmico cabeçudo para entender. Mas como explicar um arquétipo musical onde você se sente invadido por várias sensações? Acarretando no aparecimento de um cosmos diferente até então, como se inaugurasse um novo mundo. Decompondo a realidade objetiva e arremessando a outro estado. Apropriando um panorama estrutural diferente de nossa lógica materialista. Quando nossa concentração está intimamente ligada a cada vibração, cada suspiro e há um intercambio (sim!) entre o que está sendo tocado e o ouvinte. Não é necessariamente algo que você tenha que compreender, mas sim entrar na ciranda e aproveitar. Em seu universo paralelo, e em sua mais de uma hora de execução, sentir um sopro totalmente fresco de sensações.

Esse álbum pode fazer isso. Podemos ouvir “Black Earth” como a narração do transito sensorial. Quando a música apropria-se de nosso imaginário, podemos sentir aquele clima de filme noir, sombras, neblinas. Como se o mundo que repousa na obscuridade nos aliciasse através do belo e calmo saxofone, acompanhado pelo piano pontual. Eu quero dizer, esse álbum comunica para gente que esse mundo não é real, como alguma realidade obrigatória pode se extinguir com um conjunto tão sofisticado de notas? Simplesmente encontrando a satisfação na finalidade da música em si, não é necessário mais nada.

O clima de obscuridade que o álbum impõe, não é um terreno de maldade, perversidade, ou algo do tipo. É como a inauguração de algo novo através de uma jornada noturna pela negatividade do mundo. É tudo tão objetivo, os ecos serão seus companheiros. Prova que não é necessária uma capacidade de virtuose, os sons desnudam-se tão expostos quanto o ouvinte. É um conjunto sonoro para a mente e o espírito. E é algo autentico justamente por isso, estabelece um dialogo simples e profundo com o destinatário, relevando possíveis conhecimentos estéticos e capacidade intelectual. O som é acessível, orgânico, quase palpável. Aí reside sua singularidade, uma música extremamente apurada sem perder a capacidade de simplicidade, beleza e profundidade.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Fire!Orchestra: Second Exit (2014)




Sempre se pode conseguir tirar algo de coisas que a gente não imagina que tenham valor”, Alice Munro.

Em todos os sites que acompanho sobre música, foi batata, o último disco do Fire! foi considerando um dos grandes álbuns de 2013. Muito em função disso, Mats Gustafsson, líder do projeto, pôde levar sua orquestra com mais de trinta músicos para uma extensa turnê.

Teoricamente, os acordes e sessões do Second Exit são iguais ao Exit, pois é um registro ao vivo deste álbum. Mas há algumas alterações, os vocais de manifestação da mente por Mariam Valentin e as frases condutivas de Sonja Jernberg ocupam muito mais o segundo plano do que no álbum de estúdio, deixando as guitarras e eletrônicos muito mais presentes. O mesmo ambiente “eterno” é instalado, para que variações dos mais diversos instrumentos possam se encontrar e trabalhar em microssessões.

Os diálogos entre saxofone de Elin Larsson e trompete de Goran Kajfes são inacreditáveis – mesmo por debaixo de todos os instrumentos, é uma das conversas mais interessantes entre os microduetos que se formam-, Oren Ambarch (que já fez um álbum colaborativo com o Fire!) emerge toda a orquestra atrás de uma maravilhosa e ruidosa parede sonora, em dado momento os eletrônicos que tomam conta, desvirtuando toda a direção que a peça vinha tomando.

O álbum é um conjunto de ruídos delirantes, rock encardido, barulho de tralhas excêntricas, interceptação de componentes de diversas categorias, instrumentos desacompanhados em combate ao desempenho de grupo, basicamente a premissa do jazz livre incorporada em terrenos como krautrock, psicodelia, improvisação eletro acústica.

As duas peças são admiráveis, obviamente quem gostou do Exit vai se interessar demais. Talvez seja mesmo mais uma edição para quem gosta de acumular discos, etc., mas também perpetua os barulhos em nível de arte, estabelecendo-se como vanguarda na concepção sonora mesmo no vasto terreno da música contemporânea.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Mountains for Clouds – Maybe It’s Already Everywhere [2013]




Não pergunta, é-nos vedado sabe o que o destino reserva a mim, ou a ti...” Alice Munro.

Um álbum para ouvir na nostalgia de verão. Maybe It’s Already Everywhere não é aquele pop cativante para ir à praia e jogar vôlei  e depois dar um maravilhoso mergulho no mar, é para aqueles momentos em que lembranças do passado e questionamentos do futuro se tornam o mesmo fluxo de pensamento. Para ouvir enquanto se faz fogueira, com amigos íntimos, todos indecisos sobre a vida, mas com a certeza do presente.

Mas toda essa calmaria que a banda é capaz de adotar, não compromete as partes mais barulhentas. Isso dito, o que realmente encanta no conjunto é a capacidade nos momentos mais suaves. A prova maior disso é Jamage Control, em que a letra fica em segundo plano no desdobramento onde a harmonia eleva as dedilhadas misturadas com elementos bem frágeis. Os pratos soam como o Moving Mountains e as guitarras tem o mesmo acolhimento do This Will Destroy You. A ambientação é perfeita para uma contemplativa caminhada, quando as nuvens fecham o céu e não faz nem muito calor e frio. A estrutura das notas e formação das letras são relativamente parecidas com o The Gloria Record. O interessante é o quão bem as mudanças nas formas de vocais se encaixam com a música e também com as letras, como se invocasse um certo tipo de humor relativo a cada canção específica.

Não podemos esquecer também de citar a aptidão de “math rock” na banda, com acordes alegres e angulares. As progressões na guitarra chegam a realmente a ficar árduas algumas vezes, em andamento predecessor que não era esperado esse tipo de ‘transformação’. Talvez o que mais ‘custe’ no álbum, ou seja, o que talvez venha plenamente ao reino subjetivista é o vocalista. Quero dizer, tem um aspecto muito mais pessoal do que tendências superpotentes. Emotivo, desafinado – como se discordasse do que o tema instrumental propõe, ou agisse por conta própria- lembrando muito a tendência CYLS, de bandas como o Dowsing. Mas são certos ‘vícios’ no gênero que me dão a impressão de estar em casa, lembrando muito as bandas dos anos 90 que eu amava e continuo amando (aka: Mineral).

Um clima de garoa, tranquilidade. Esse álbum nos coloca em um estado contemplativo, sorrisos, enquanto as lindas frases de guitarra pincelam nossas lembranças. Maybe It’s Already Everywhere é para quando você voltar da estação a pé para casa, em harmonia com a velocidade desconexa das grandes cidades. Para quem não sabe ainda o que quer da vida, não tem planos, e está tentando encontrar seu próprio lugar nesse vasto mundo. Ou seja, para mim, todo instante.