CURTA NOSSA PÁGINA NO FACEBOOK

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

James Vincent McMorrow – Post Tropical [2014]

Depois dos setenta a vida se transforma numa interminável corrida de obstáculos”, FernandaTorres.

É certamente mais fácil entrar em alguns artistas do que em outros. Por exemplo, as pessoas ouvem James Vicent por causa do seu visual? Refazendo a pergunta; a maioria das criaturas gosta do músico em função de sua estética? Mas por seu talento, o cantor já provou ser capaz de exceder gêneros e harmonias simplistas comerciais em prol da música.

Porque ele tem algo a dizer. Falando de bandas com a mesma “movimentação”, como Of Monsters and Men e The Head and the Heart, que começam as músicas em tom bem minimalista, para depois explodir adicionando instrumentos “excêntricos”. A “ruptura” entre McMorrow ocorre justamente por ele trilhar seu próprio caminho. Post Tropical arrisca ao tentar se mostrar despido de pré-formulas. O que James Vicent fez: cortou tudo que lhe soava excessivo; sobraram as mínimas notas ambientes e uma voz lúdica, com poucos outros adicionais.

Seu tom alto dá impressão de um sonho em ambientes obscuros. Em “Cavalier”, primeiro single do disco, há fortes imagens desérticas que relembram o eu lírico de seu “primeiro amor” (sic). Embora a voz possa soar doce e sutil, as entregas e insistências deixam a coisa toda dolorosa. O investimento em tormentas pessoais também afastam Vicent de outras bandas, sua voz deixa passar tudo o que lhe corrói a mente. A raiva e dor também são bonitas, por isso combinam com o vocal de McMorrow.

Claramente, a finalidade de McMorrow foi reformular seu estilo. O álbum é uma reviravolta do conceito de bandas como Volcano Choir e The Welcome Wagon. Embora ainda haja muito o clichê de “cantor folk”, ele tenta se afastar ao máximo disso. Evidentemente ele tem muito dessa música em sua raiz, mas encontrou também outras formas de se expressar. Somado a isso, há também no disco a ação eletrônica, que vez e outra provem base na música.

À medida que o disco avança, descobrimos um James Vicent desestabilizado emocionalmente, cheio de incertezas. Não que isso seja nada novo, estamos cansados de saber de vários artistas que tocam nesses temas; mas McMorrow faz tudo com uma beleza melancólica realmente tocante. James Vicent sempre confessou ser fã de hip hop, e ele homenageia o estilo à sua maneira, mantendo a crueza brutal nas letras. O minimalismo eletrônico é facilmente comparado com Mount Kimbie, até o maravilhoso agudo de McMorrow voltar a ser o epicentro da música. O que gera uma mistura bem inusitada de Holy Other com Inc.

Essa redução ao mínimo confere à voz de James Vicent todo destaque que merece. Embora ele sempre tivesse isso, às vezes sua locução cobria tudo e soava apenas como virtuose. As variações dos instrumentos são muito bem realizadas, provendo ânimos diferentes ao longo do álbum. E eles às vezes aparecem desconexos, até os sons dos vocais- por meio de letras diretas ou expressões- reagrupar tudo, certificando a unidade.

Ao contrário de se encaixar nesse gênero de “contadores de histórias”, com apenas letras íntimas e vocais destacados, McMorrow aproxima esse estereótipo folkista das bases eletrônicas. Onde elementos programados de música eletrônica unem-se ao doce violão acústico. Vale notar como seu instrumento de cordas- outras vezes guitarra elétrica- acompanha as alterações no tom do cantor. Somado com outros elementos que só aparecem de vez em quando, mostrando o quão livre foi a criação. Isso intercala o que a música de James Vicent foi e o que aparentemente pretende ser.

Talvez não seja um disco com o mesmo impacto que o Early In The Morning teve na cena “folk alternativa”. Mas aqui, o álbum é mais variado e McMorrow sente-se mais à vontade para experimentações. Em um tempo que muitos músicos do mesmo gênero ficam confusos sem saber como agregar suas raízes simplistas à novidade tecnológica, James Vicent mostra que está mais por dentro do que nunca da música de qualidade que pode ser feita atualmente.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Have A Nice Life – The Unnatural World (2014)

Seis anos depois do lançamento do clássico Deathconsciousness, fiquei surpreso quando vi no site da Pitchfork, o novo álbum do HANL para stream; poxa, incontáveis foram as vezes que o primeiro disco, e único até então, da banda atravessaram noites solitárias, melancólicas, contemplativas. Eu ainda, por preguiça pura, não fiz uma lista dos melhores discos que ouvi na vida- provavelmente Deathconsciousness estaria lá.

É capaz de você nunca ter ouvido falar do conjunto, não à toa- é mais um projeto do que algo necessariamente comercial, com agenda, etc. Uma mistura entre Methadrone e Warsaw, e todas as possíveis variações entre os dois. De volta em 2008, Deathconsciousness mudou minha concepção sonora. Sons sutis arranhados por estruturas fúnebres. Uma aceitação completa da melancólica como Lars Von Trier. Os temas como a proximidade da morte, enquanto reverbs ecoam como fantasmas, as linhas distorcidas de guitarra e sintetizadores numa espécie de pop macabro.

The Unnatural World não é tão lo-fi quanto Deathconsciousness, é mais bem produzido, soa mais limpo, embora isso não queira dizer de maneira alguma que as passagens não estão tão “sinistras” quanto o antecessor. Seus vizinhos certamente pensariam que é algum deprimido fazendo um som em casa, criando atmosferas totalmente anticomerciais. Alguns drones vão preencher seu coração, como se você estive sendo tomado pelo espírito decadente e demasiadamente mortal que o álbum imana. Como uma progressão natural, mais próximo da morte está TUW do que Deathconsciousness, consequentemente mais deprimente, melancólico.

Por todos os méritos, Deathconsciousness continua sendo o clássico da banda. Atinge níveis apocalípticos que o TUW certamente não alcança. No entanto, DC me soa como um ensaio, um estudo. The Unnatural World é mais direto, refinado- como disse anteriormente, uma progressão natural- transformando o que era esboçado no antecessor em estilo superior. Pode ser muito cedo, só o tempo dirá, mas a priori esse novo álbum é meu favorito. Talvez, aparecendo em 2014, não compartilha da mesma importância que DC; aquele álbum foi um divisor de águas. Não vejo como eles poderiam ter realizado um álbum melhor que TYW. Incrível, não tem falhas!

sábado, 25 de janeiro de 2014

Melhores Álbuns de 2013

Nós não fugimos da hipsteragem e mesmo atrasados- mas o que vale é a intenção, não é mesmo?- fazemos nossa lista de melhores álbuns de 2013. Não há critério necessariamente técnico, foram os discos que ouvi e mais gostei. Simples assim.

-

33. Nadja- Flipper

Dos últimos lançamentos da banda, foi o que mais gostei. Aquele clima de cemitério, observando as ondas delicadas na costa.









 32. Football, etc.- Audible

Aquele pop cristalino no som, e melancólico nas temáticas. O melhor álbum emo de 2013








31. Thy Light- No Morrow Shall Dawn

Banda de um homem só. Brasileira. Belo metal extremo







30. Bardo Pond- Peace on Venus
 Barulho bem cadenciado.








29. Deafheaven- Sunbather

Enquanto os publicitários adoraram a capa, nós adoramos o conteúdo. Black metal, post-rock, shoegaze, letras introspectivas, coisa bonita, viu.





28. Alameda 3- Późne królestwo

Um disco cheio de saídas imprevisíveis, com muitas ideias. Do começo ao fim surpreende.



27. My Bloody Valentine- m b v

Acho que tamparam todas as entradas e saídas do estúdio durante as gravações. É denso. Muito denso.







26. Vàli- Skogslandskap

Não há humanidade aqui. Vàli captura, ou tenta reproduzir, os sons de uma natureza supostamente mística. Se conseguiu não sei, mas ficou excelente.






25. Cult of Luna- Vertikal

Um álbum com dois épicos, com clima de desespero profundo e depressão. Não precisa mais nada.







24. Death Angel- The Dream Calls for Blood

Há muito tempo eles precisavam lançar um álbum desse nível, e os fãs há muito tempo esperavam ouvir algo assim. Thrash metal. Simples assim.







23. Windhand- Soma

Atmosfera obscura, tempo lento, melancolia.







22. The Aristocrats- Culture Clash
Uma grande álbum de rock instrumental. Aceitando diversos elementos, principalmente os jazzistas.

 21. The Ex & Brass Unbound- Enormous Door


Post-punk experimental com influências jazzistas. Não tem como dar errado.

20 .Oathbreaker- Eros|Anteros


Sludge metal com inclinações claras para o crust/hardcore, com ótimas climatizações parecidas com black metal atmosférico.

19. Matana Roberts- Coin Coin Chapter Two: Mississippi Moonchile


Segundo capítulo da obra monumental que Matana está construindo. Destaque para a redução da banda, os ritmos mais melódicos e o cantor de ópera.

18. Subrosa- More Constant Than the Gods

Doom metal com algumas variações. Com aquela atmosfera obscura, mas com momentos de beleza também.

17. Julia Holter- Loud City Song 


Afirmação de Julia Holter com artista que esperávamos desde sua estreia.

16.Ataraxie- L'être et la nausée


Produção excelente para uma das melhores bandas de metal extremo fúnebre que existe por aí.

15. Gris- À l'âme enflammée, l'âme constellée...


Um atmosfera sufocante, com todos os elementos possíveis dentro da música extrema.

14. Ulver- Messe I.X–VI.X

Uma exuberante peça obscura.

13. Wisdom of Crowds- Wisdom of Crowds

Ouvi poucos álbuns de música eletrônica tão bem produzidos.

12. Jon Hopkins- Immunity

Daqui pra baixo; só coisa fina. Depois que ouvi esse álbum fiquei uma hora pensando: "Jon Hopkins é gênio, Jon Hopkins é gênio, Jon Hopkins é gênio ..."

11. Nick Cave and The Bad Seeds- Push the Sky Away
.

O tratamento da repetição como uma neurose, obsessão. Arte pura.

10. Inquisition- Obscure Verses for the Multiverse

AHEPRUIA-P9OYYY............... E Riffs galera. Riffs para desmoronar preconceitos históricos supersticiosos.

9. Àrsaidh- Roots
Um álbum grandioso que eu amei. Simples.

8. Earthless- From the Ages

Uma viagem psicodélica praticamente perfeita. Se você não usa ácido e quer saber mais ou menos como é, dizem que é bom ouvir esse disco.

7. Sigur Rós- Kveikur

Ahhhhhhhhhhhhhhh. Cacete Sigur Ros, de novo? Que bagulho tenso, obscuro, bonito, melancólico. Como conseguem?

6. Celeste- Animale(s)

O fim. A destruição completa.

5.  Avatarium- Avatarium

Um álbum de metal fúnebre que faz bem ao cérebro. Não faz sentido? Tenta ouvir.

4. A Wilhelm Scream- Partycrasher

A banda mais legal de hardcore. Técnica, letras irônicas, vocal melódico/gritado. Esqueçam daquelas bandas chatas de cabelo descolorido, o negócio é AWS.

3. Boards of Canada- Tomorrow's Harvest

Esses irmãos criam sons que criam imagens na minha cabeça. Imagens fluídas, vivas. Nesse álbum eles tiraram todo o abafamento humano, só a pequenas intervenções quase sufocadas pelo som ambiente.

2. Tim Hecker- Virgins

Hecker é um dos meus "heróis musicais". E lançou o melhor disco da sua carreira. Não há mais nada pra falar.

1. Dennis Johnson- November (R. Andrew Lee)

Saídas tortas, impensáveis e minimalistas para a prisão do silêncio. Cada nota é improvisada. E não é. A tentativa frustrada de um lindo grito de socorro em um mundo sucumbido em desespero.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Isosceles Kramer - Isosceles Kramer (2014)

Eu vi fantasmas e me pareceram tão reais que pensei serem meus parentes. Cumprimentei a mão de todos, porque reconheci no toque gelado o que me foi real durante toda vida”, Lúcio Carlos.

O que podemos exigir de música em um mundo tão saturado, reducionista e de rápidas informações? Para muitos críticos, a música tem a necessidade de fazer um avanço histórico cronológico, seja na vanguarda ou nos ritmos mais tradicionais. Isosceles Kramer, banda que fechou as portas em 2003, renasceu em 2012. Até poderiam pré-julgá-los se eles fossem uma banda famosa, hype- mas não, não há necessidade de seguir a tendência de bandas que se foram e retornam depois de um bom tempo porque, bem, a única necessidade deles é musical. Não sei bem o motivo da reunião, não é fácil achar muitas coisas relativas à banda na web- mas é claro, o importante é a música! E o registro sonoro deles é relevante. De um estilo que inúmeras vezes sentimos muita falta.

A banda é formada por nomes importantes em nossa cena independente: Wash (Eu Serei A Hiena), Chovich (Tri-Lambda), Vinas (Deeper than That), Daniel (No Violence) e Irú. O interessante é que a reunião, nove anos depois, teve como objetivo- além da diversão entre a interação de tocar junto- regravar músicas daquela época. Quanto será que eles evoluíram e mudaram suas perspectivas enquanto pessoas e músicos desde então?

A maioria das letras são em inglês, músicas atualizadas que refletem bem o que acontecia na virada dos anos 00 em relação à cena independente. Embora o nome da banda tenha uma forte dosagem de humor (Isosceles Kramer refere-se a uma piada no seriado Seinfeld), o que não falta é seriedade na construção de melodias e frases de guitarra. As músicas têm métodos parecidos de criação, conquanto haja uma variação extremamente grata nos riffs, gritos e harmonia. Ao fim disso, fica a certeza de uma banda que sonoramente expressa a época onde iniciou suas atividades, sem soar velha em pleno 2014.

Para conferir algumas músicas, clique aqui.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

I Break Horses- Chiaroscuro [2014]

O casamento é o estado civil mais indicado para homens que, como eu, não gostam de conviver com outros”, Fernanda Torres.

Embora não fosse necessariamente um “estouro”, a estreia do I Break Horses, o álbum Hearts, chamou atenção para o duo sueco. Eles conseguiram capturar os elementos eletrônicos e, coisa que é rara, dar a tal da “identidade”.  Essa mistura de vocais “dream pop”, com sintetizadores não é algo novo, todos sabem, mesmo assim a dupla conseguiu certo destaque entre os apreciadores do estilo.

Chiaroscuro tem um desenvolvimento mais lento, contemplativo, sem o peso de ter que causar uma primeira impressão.  A mudança e o novo tom do duo podem ser percebidos logo na primeira música; embora Lindén ainda mantenha sua voz “refém” de suspiros, a base da música é mais espaçada, submersa por baixo da melodia dos sintetizadores. Os resquícios também cessaram da influência do shoegaze no primeiro álbum, se há alguma semelhança com o estilo, é só o vocal lento, cristalino, murmurante.

Aliás, qualquer possível ligação com o rock -e as guitarras- foi cortada. Embora não fosse o centro no disco anterior, aqui elas realmente não aparecem. As batidas não são mais minimalistas. Parece que toda a influência deles para a construção desse disco foram músicas eletrônicas sem vocal, o que faz a voz de Lindén não essencial para a construção estética. Esta continua com letras simples, provando que o apuro sonoro é o que se mais busca. A escolha da dupla em não atribuir grande importância para a letra não deve ser notada por muitas pessoas, o que mais interessa é a maneira da música ser conduzida e formulada.

O resultado é que pode soar meio genérico para quem já tem certa introdução na música eletrônica. Mas não significa que eles não alcançaram êxito, talvez as ideias não fossem tão bem desenvolvidas, mas é sim um mundo denso de formas paradoxais. Essas abstrações, no entanto, soam simplistas, idealizadas. Prolongar músicas é tentador, operar mudanças nestas também, acontece que é o mesmo sintetizador durante sete minutos e meio- nas faixas mais longas- e não há alternâncias significativas que justifiquem a repetição. Mas, como referi há pouco, esse álbum tem algum êxito. Principalmente a interação da voz de Lindén com os sintetizadores, em que o “conceito” do disco é posto de lado- não sabemos se intencionalmente- para a dupla brilhar no seu melhor.

No fim, eu acabo com certo temor de que o I Break Horses transforme-se em um desses pops em que músicos acreditam que apenas uma boa produção- outro ponto positivo desse disco, a criação é cristalina- já os catapulte como forma de arte. A tentativa de alcançar algo muito formulado talvez seja um pouco forçado, o que não tira o prazer de ouvir músicas como a bela Heart To Know.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Hong Sang-soo - Filha de Ninguém (Coréia do Sul, 2013), A modernidade datada.


Viver era me colorir com o rosa da luz suspensa, inexplicável...”, César Aira.



Mãe e filha conversam sobre as coisas relativamente mais comuns; a faculdade da filha, por exemplo. Ambas andam pela cidade com poucas pessoas nas ruas, a voz em off da filha fala algo sobre um motel nomeado Motel Famoso. Em algum momento da caminhada, a mãe repara em um jovem fumando e comenta que ele é “bonitinho”, a filha concorda. Ambas são deixadas fora de quadro, o rapaz solta o cigarro no chão para ir atrás delas, o cigarro é focado enquanto vira cinzas no asfalto. Em uma livraria, eles se encontram novamente, o jovem com outro cigarro, inicia um diálogo com as mulheres, quando a mãe pergunta se ele gosta de fumar, a resposta é apenas uma; “acho que é vício”.

Os filmes de Hong Sang tem a característica de fazer várias associações autorreferentes; hora um personagem diz sobre o que vai acontecer, ou um ato pode ser visto como déjà vu para uma cena anterior- lógico que tudo isso no terreno das metáforas, como se os erros fossem os mesmos, apenas as pessoas diferentes. Nesse jogo de espelhos, não é feita uma análise do mundo social enquanto veiculo de declínio das personagens. O cenário civil é decorrente de algum baralho viciado confuso. O cigarro avisa sobre os vícios de uma juventude. Mas também é a metáfora perfeita para a obsessão, em uma análise profunda, como veremos mais para frente. A desorganização é onipresente. Os casais que passeiam pela tela têm um vício, e não conseguem simplesmente apagá-lo como o jovem faz com o cigarro, não sem ferir-se mutuamente, de uma forma ou outra. 



Por isso um professor sul-coreano, que reside nos EUA, ao conhecer a menina, já sabe “quem ela é” [sic]. Não há individualidade nem na suposta protagonista- no jogo dos erros, o mundo é destituído de singularidade. Esse professor descreve pormenorizadamente a garota, tanto que ela tem que mudar de assunto. Portanto, é um tipo de cinema que se assemelha aos quadros de Georges Braque Bodeg, porque a projeção demonstra as formas existentes, formas que flutuam e que não se destacam por ter algum tipo de espírito ou alma, na verdade, é uma demonstração da modernidade datada.


A mise-en-scène é articulada abafando as vozes próprias. Mesmo que poucas pessoas estejam em uma cena, - aqui elas são quase todas destituídas de multidões- esse relativo paradoxo anuncia as semelhanças dos “distantes”. Quando uma câmera se desloca para focar um ator, o mesmo procedimento será realizado matematicamente com os outros enfocados. E talvez até desapareçam da história, como o rapaz “bonitinho” que aparece no começo, varrido para baixo de todo o drama ou a encenação trágica. Quando o plano é longo, de paisagens, não temos o mesmo deslumbramento com o mundo –ou desencanto- que Antonioni nos passava, em seus filmes ainda existia certo tipo de resistência ao mecânico, em Hong Sang os campos extrapolados servem justamente para denunciar a tentativa falha de encontrar algo mais amplo e profundo.


Então a tragédia está localizada na libertação individual. Pois A Filha de Ninguém é formado por pessoas ordinárias, que parecem procurar vícios para se libertar da calamidade da vida. Como se fosse um jogo do destino, qualquer encenação possível não encontrará redenção. Quando Haewon (Jeong Eun-Chae) sonha, não vemos seu idílio- ela nem sequer dorme realmente, a não serem as cochiladas enquanto tenta estudar-, ela já está muito lançada nas encenações e preocupada com seu próximo arremesso. Mas a chave do destino aqui, e destino no filme adota o mesmo tom da vida e da tragédia, é deixar claro; como a protagonista, estamos todos condenados ao desprezo. Tal qual Norbert Elias, o processo social condena o indivíduo a interiorização, à solidão do abandono.

Um filme que em teoria de sinopse seria sobre a interioridade subjetiva de uma menina, acaba sendo um registro das relações sociais contemporâneas. Devo confessar que fiquei muito estimulado com o jogo e o acordo social abafador proposto por Hong Sang, em um mundo que nós estamos condenados a solidão simplesmente por existirem vontades divergentes.



Sua visão de humanidade pode ser tomada como pessimista por alguns. Realismo representativo para outros. O ponto é que ao representar e ver as miudezas dos papeis sociais, Hong Sang deve ter-se deparado com o desprezo. Sua realidade não é despida de alguns quesitos; talvez nem seja propriamente uma realidade, e sim o “esquema das coisas”. Por isso, Filha De Ninguém passa pelo processo de desencanto, algo que o diretor deve ter passado em alguma fase de sua vida.