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sábado, 21 de dezembro de 2013

Matana Roberts - Coin Coin Chapter Two: Mississippi Moonchile [2013]



Não há possibilidade de existência sem narrativa, sem viver uma outra história.”, Xico Sá.

No lançamento da obra-prima Coin Coin Chapter One: Gens Des Couleurs Libres, Matana Roberts anunciava que aquele seria o primeiro capítulo dos doze sobre a busca da formação da cultura negra nos seus últimos trezentos anos, incluindo poesia, teatro, e tudo que teve participação em diversas etapas da construção sociopolítica dessa cultura. A série tem até uma protagonista, que possui diversas ocupações em diferentes épocas, o que nos remete, é claro, a Woolf. E tudo isso poderia dar incrivelmente errado, pela ambição e pelo compromisso em relacionar uma arte estética com temas tão densos, não fosse Matana saber o que faz e criar uma obra única não só dentro do jazz como da música.

Em um contexto tão amplo, lidando com mais de 300 anos de história afro, o jazz livre é apenas mais um instrumento- incluindo gospel, Field recording, blues- para trazer a tona uma narrativa sobre supertições, invocações e luta. Podemos relacionar essa brava vastidão ambiciosa com a obra de Anthony Braxton, o envolvimento sociopolítico de Davis, a técnica de sopro fraseada de Pharoah Sanders e a ousadia de Cecil Taylor. Como contraponto ao capítulo I desse corpo monumental sonoro, Matana optou por uma banda bem menor do que a antecessora; Jeremiah Abiah (vocais), Tomas Fujiwara (bateria), Thomson Kneeland (contrabaixo), Jason Palmer (trompete) e Shoko Nagai (piano). Assim como a banda foi reduzida, a cacofonia esquizofrênica deu passagem a partes mais líricas, totalmente melódicas. Obviamente, entre todas as vozes que condecoram o disco (todos os membros da banda cantam), quem se destaca é o tenor de opera Jeremiah. São tempos complexos, e por isso a insistência de vozes, o passado ciclicamente apresenta outras versões e consequentemente novas marcas. Roberts retrata elementos como vergonha, superação, castigo e dor, de uma maneira coletiva. Ou como ela mesma chama: “som panorâmico doloroso”.

As frases repetidas, as passagens quase faladas de Matana em coro com o resto da banda, ressaltando as superações dessa comunidade ao longo da história e seus obstáculos; Roberts tem plena noção de seu dever enquanto mensageira da ancestralidade de uma minoria brutalmente oprimida com o passar do tempo. Os interessantes contrapontos criados, como o saxofone melancólico que segue a uma esperançosa melodia gospel. Aliás, partes precisas de canções gospel aparecem em cortes decisivos, num imenso jogo de contraste afetivo. Há beleza e sofrimento, belas passagens e tempos agonizantes.

Não só o punk rock surgiu em 1977, Roscoe Mitchell também lançava Nonaah, abrindo percepções sobre o saxofone, aprofundando a estética jazzista. Matana rompe fronteiras musicais para estender e continuar na esteira de grandes nomes da vanguarda musical. No momento, é difícil achar música mais relevante sendo feita em algum outro lugar do mundo que não na cabeça de Roberts.

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