Eu só precisava de alguma luz para voltar para casa. Sob a noite intempestiva, Santo André parecia um delírio de um adolescente introspectivo que não conseguia estabelecer uma resolução para os próximos dias. Eu não sabia nada sobre amor, ou empregos, ou como ganhar dinheiro e apostava que as insistentes caminhadas noturnas trariam uma espécie de luz. Eu só queria beber nos showzinhos no Catedral, aos quais eu ia sozinho porque não tinha amigos. Eu pegava um garrafa de vinho no posto de gasolina e bebia. E aí, sim, eu ficava comunicativo, falava com as pessoas nos shows. Eu odiava quem eu era quando não estava bêbado. Odiava minha cabeça que ficava em disparada em qualquer mínimo início de contato visual com alguém. Eu só me sentia bem assistindo a Dead Fish, Dance Of Days, Level Nine ou Cueio Limão no Catedral Bar aos domingos. Eu passava a semana ouvindo Blink escondido no meu quarto. Eu não sabia nada sobre o amor e passei os anos da escola perfeitamente escondido, falando em códigos com meus amigos imaginários.
Eu olhava o fundo do copo e aguardava ansiosamente o efeito. Eu queria sentir meus sentimentos que sabia estarem enterrados sob uma tonelada de vergonha e complexos. Eu esperava que meus sonhos seriam realizados. Ter uma banda. Ou escrever um livro. Quem sabe qualquer coisa de palpável, qualquer coisa parecida com o que eu sentia ouvindo meus discos favoritos. Era muito difícil porque eu não era amigo de ninguém que queria ser escritor e eu não gostava das bandas que o pessoal da escola gostava. Eu fechava meus olhos e não conseguia me imaginar em futuro algum. Era tudo tão borrado e impreciso quanto os edifícios subterrados por trás da noite andreense. Eu tentava entender uma espécie de alquimia sagrada: como adquirir o bilhete de entrada pra vida e ai, sim, ser factível e tangível para as outras pessoas? Eu tinha um medo terrível, agonizante, de morrer sem experimentar a intimidade.
Eu encaro o teto com uma paz sorrateira. É incrível que eu sobrevivi imaculado aos anos para poder carregar a história daqueles que não estão mais aqui. Passo outra noite com insônia sob os efeitos dos antidepressivos e, enquanto rolo o feed do twitter, sinto uma estranha empatia com o que todos os meus amigos estão passando. Quem diria que eu poderia usar algo como "todos os meus amigos" quando eu passei adolescência fugindo de todo mundo e criando razões abstratas para não encarar os dias. Porque eu amo cada um deles mais do que minha boca suporta dizer, porque eu encontro em cada um deles uma energia que deixa tudo mais suportável e os dias parecem menos agonizantes e aterrorizadores embora continuamos a prosseguir sob a ameaçadora sombra da morte, dos amigos que se foram e dos que sumiram e eu posso jurar que encontro cada um deles na quietude empoeirada de um quartinho de pensão barata na cidade onde cresci. Eu ainda não consigo dormir muito bem, mas os monstros que invadem minha cabeça parecem cada vez mais fracos e admoestados sob a luz de um amor que é constantemente recém-descoberto. Ou talvez seja outra coisa. Talvez eu apenas descobri a maravilha de estar aberto ao toque dos olhares cândidos voltados em minha direção. E sentir que mereço esses toques e, quem sabe, até seja capaz de dar alguns deles nesses dias violentos que nos têm surpreendido. Porque eu quero tanto continuar aqui e estou extremamente ansioso pelos dias subsequentes, em que a distância poderá ser, parcialmente, diminuída quando eu me sinto, finalmente, admirado pelos olhos que sempre admirei.
Me identifico pra caralho com teu texto.
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