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quinta-feira, 14 de maio de 2020

dormindo sob céus estrelados enquanto os nossos rostos, jovens, envelheciam


  Eu acho que nunca disse o que devia ter dito antes de ter partido. O que eu realmente queria era ficar perto de todo mundo. O tempo que nós compartilhamos em nossa ilha. Os dias incríveis contemplando um horizonte que só se estendia.

  As noites nos bares que todos se conheciam. Os minutos preciosos em que rescrevíamos nossos passados. Os copos quebrados submergindo em sons de risadas, dormindo sob céus estrelados enquanto os nossos rostos, jovens, envelheciam.

  Eu queria voltar e ver o rosto de todo mundo. Eu faria qualquer coisa pra voltar a ver o rosto de todos os meus amigos.

  Em suas mãos você segurava a chave, na sua mão direita, a preciosa chave de nossa cabana escondida. Uma pequena nota que escrevemos, alheia ao tempo e a todas as outras pessoas que não nosso clube.

  Você podia ter feito o que queria, todos fomos embora e você restou aqui, tentando fazer amizades quando todos tínhamos partido. E agora eu posso jurar que te vi no céu, sorrindo enquanto eu abria, aos pontapés, a porta desse retiro esquecido. Dezessete anos depois de inaugurar essa velharia. Como nós brincamos aqui antes de tudo sucumbir, como nós brincamos aqui antes de desistir. Fingíamos saber tudo, fingíamos que seria para sempre e que a infância sobreviveria às mortes, às partidas, às indas e vindas.

  Se você quiser, eu nunca saio daqui. Se bem que é tarde demais. Eu passei a me importar tarde demais. Eu tinha o mundo e não sabia. Não sabia que não precisava de São Paulo e qualquer outro lugar era pura mentira. Vai levar um tempo pra decidir o que fazer com esse lugar. Está no meu nome e não sabia. Onde estão os rostos com quem cresci? Passou muito tempo e eu ainda não entendi como desaparecemos. Como perdemos contatos. Como o silêncio virou mais fácil. Como eu virei um adulto que sucumbe a qualquer lembrança perdida, de tempos da infância em que passávamos a tarde celebrando o que entendemos por vida.

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