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sexta-feira, 6 de abril de 2018

água transparente e peixes coloridos

E as águas estendiam-se por um horizonte tingido apenas por um azul indecifrável, e éramos jovens e os coqueiros altos de Angra dos Reis eram motivos de risadas (e o que não era naquela época?).

E o ritmo era de abundância porque o futuro prometia muito para todos nós. Enquanto tomávamos cerveja num boteco bem pequeno ao lado da pousada e contávamos histórias daquele mesmo ano e ríamos porque achávamos que elas se repetiriam de novo e de novo. 

E quando voltamos a Santo André o sentimento de oposição era algo permanente e aquelas histórias instalaram-se em nossa memória e sempre que as coisas apertavam recorríamos a elas como um depósito mal organizado de lembranças com algum poder restaurador.

E podíamos destruir tudo que de alguma forma recuperaríamos qualquer outra coisa em uma espécie de sistema assimétrico de recompensa. 

E era impossível medir o futuro porque guardávamos um otimismo materializado em bebidas e rolês, guardávamos a sensação ininterrupta de viver os clipes do Blink em looping porque, de fato, aos nossos olhos tudo era uma oportunidade para rir.

E eu sou apenas um ser choroso e incapaz porque eu vi suas fotos magro e careca e fechei o notebook tão rápido e bravo com tudo aquilo que quebrei seu suporte.

E reclamar do vazio existencial pareceu um absurdo e uma irrealidade fantástica, mas ainda tão afincada na existência porque quem morre são as pessoas velhas e não antigos amigos da adolescência com apenas 26 anos.

E com meu sangue escorrendo de leve do supercílio nós apenas ríamos novamente, pois havíamos tomado muita Bananinha gelada e qualquer tragédia era expelida por nossos risos.

E nomear qualquer piada interna era impossível e, se nunca dizíamos "eu gosto muito de você", era improvável não reconhecer nosso afeto nos jogos sábado de manhã ou nas longas e entediantes aulas do período noturno.

E os anos que se seguiriam nos separariam abruptamente e as conversas se tornariam mais esparsas a ponto de terem se encerrado pouco mais de um ano depois que terminamos o colégio.

E eu admirei essas lembranças ontem quando sonhei com esses momentos ouvindo Blink anos depois.

E eu percebi o quanto era refém das minhas distorções de memória e do meu egoísmo quando uma amiga me contou que preferia se afastar, e eu acho que fiz isso quando fiquei sabendo da sua doença e vi seu estado e nem procurei saber em qual hospital você estava porque a gente não vinha conversando, então minha amiga disse que eu era uma pessoa muito orgulhosa. Mas não era ressentimento pelo afastamento, eu realmente não tinha coragem de perguntar para qualquer um onde você estava.

E eu tenho oferecido meus dias às lembranças e me resignado ao fato de que eu sempre vou ficar estacionado e de que tudo de bom já foi vivido.

E eu não aprendi nada disso, não tirei uma lição mais humana ou uma decisão definitiva sobre me agarrar a vida e ver seus milagres em cada desdobramento.

E quando a notícia chegou eu lembrei imediatamente nós nadando pelados em uma piscina em Angra dos Reis ou nos mergulhos naquelas ilhas tão distantes de nosso colégio , com água transparente e peixes coloridos.

E na real pelo menos eu sei isso sobre mim, não foi orgulho mas sim timidez. E o que mais pesa é que isso não alivia em nada quando você não é humano o suficiente para visitar quem foi seu melhor amigo no hospital sequer uma vez antes de ele morrer.

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