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segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Última volta

Fidel Castro, Havana, 1964. Foto © 2017 Elliott Erwitt/Magnum Photos. Do livro Cuba by Elliott Erwitt, publicado pela teNeues.

Quando as chamas de ódio inflamarem a simples existência alheia, como predicado de liberdade individual própria, tudo isso já vai estar fadado a um obscurantismo medieval. A casa da diversidade se evidenciará apenas como rascunho mal feito de uma nação cujas tentativas acabaram sempre se esbarrando na aniquilação do outro. A debandada para a racionalização será em vão; os pesos das más decisões curvarão as costas da população, as pilhas de corpos já lotarão os loteamentos, a terra vai estar na mão dos mesmos donos e o medo se espalhará pelo ar como perfume de perversidades. Rostos empalidecidos pelas tentativos frustradas, pelos rebeldes perdidos nos porões ditatoriais, pela falta de coragem em enfrentar uma ameaça onipresente, que sempre se escondeu no mitológico "cidadão de bem". As fronteiras se fecharão, dizendo "pra vocês, que nos fecharam a porta tantas vezes, não".

Quando o livre mercado romper porque não aguenta a tensão máxima dos vexames nacionais, quando a própria essência em que ele se origina, da competitividade, mostrar-se como farsa e ver que suas regulações não sustentam suas premissas, que seu desenvolvimento sempre atenderá quem lucra em cima e quem lucra em cima quer construir um campo de concentração e lucrar em cima disso, tudo já vai estar fadado ao pretérito. Fundamentalistas não poderão orar porque na aceleração máxima do declínio, no próprio movimento-puro que é a submissão à maldade, a humanidade se corrompe e só se ouve desespero numa terra desolada. Pessoas sangrando em cima da histeria, esqueletos batendo continência para os olhos odiosos de Bolsonaros, Mourões e afins. Governando para ninguém e tentando escapar deste inferno-vivo que eles ajudaram a projetar. Eu juro por Adam Smith que vou perguntar se eles precisam de uma mão invisível.

Você diz que não são todos os policiais, que a maioria está disposta a colaborar e só está preocupada com o que vem acontecendo com esta nação. Você diz que não são todos os homofóbicos, que eles só estão confusos e mal orientados perante tantas notícias, tantos escândalos. Sim, você insiste que conhece alguém que conhece alguém que não é tão ruim assim. Então não há mais método possível para você aprender a não ser testemunhar o inferno-vivo que suas isenções arquitetaram. Tudo bem, sente-se e aprecie o inferno, os gritos, os corpos e a podridão que derrubam muros como espíritos maldosos debandam de Hades invadindo o plano material.

O desperdício colossal de energia, de tentativas de diálogos batendo em muros de desprezo e de ódio- a vociferação ,contra nada em especial, que ecoa no recôndito isolado do próprio mundo paralelo. O talento alquímico de transformar qualquer fonte em puro veneno destilado, oferecendo-o como reverência aos demônios que vociferam palavras desprovidas de propósito. Liberdade para os livres que ressoam em uníssono com esta visão hostil da existência! Esta vida linda desperdiçada em palavras rancorosas, em sistemas de autodefesa que inibem diálogo, em suspender insistentemente a existência alheia até que seu fiapo seja a única teia num desabrigado canteiro de aranhas. Desperdiçada na dissonância de nossas visões entorpecidas por você nunca ser eu e eu nunca ser você.

Deus, você está aí? É um menino incapaz de compreender qualquer coisa, falando diretamente de Lavras, Minas Gerais, onda nada acontece nunca. Você consegue ouvir minhas orações apesar de toda a discrepância cognitiva que nutrimos, apesar de toda amassa sedenta num falatório insaciável de verdades antagônicas e verossímeis? Você está aí, Deus? Você pode confirmar que era mesmo para eu estar aqui, que eu não fui acidente abortado num tempo impossível?

No dia em que o arrebatamento aconteceu, naquele cinzento 14 de outubro: um evento completamente esquecível, em que a abertura das nuvens não abduziu ninguém, e ficaram todos estáticos fazendo preces a um deus que recusava aquelas pessoas. As nuvens abriram-se apenas para engolir vácuo, silêncio e retalhos de uma humanidade erradicada em desentendimentos como motor propulsor à existência cotidiana. Nenhuma pessoa levitou, nenhum músculo sequer se moveu e o céu pôde agradecer por ter ficado imaculado da indignidade humana. Os cavalos coloridos valsavam no horizonte, livres do infortúnio de ficarem submissos aos infiéis fantasiados em discursos de benevolência e neofascismo. Cidadãos idiotas de uma sociedade fundamentada em construções históricas aleatórias, determinada pelo sectarismo de visões disformes.

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